FAO no Brasil

Mulheres indígenas mantêm tradições do povo Mbya-Guarani através do plantio do milho Avaxi Ete

Juliana Kerexu, Cacique da aldeia Tekoa Takuaty (PR). Foto: Bruna Kamarosk / Arquivo Pessoal
04/09/2020

“Está vendo este milho Avaxi Ete? Enquanto a semente dele existir, o povo Mbya-Guarani vai existir”. Foi este o ensinamento que a avó de Juliana Kerexu passou para ela ainda moça. Única filha mulher entre seus seis irmãos, Kerexu é fundadora e Cacique da aldeia Tekoa Takuaty, localizada na Ilha da Cotinga, litoral do Paraná, a primeira da região liderada por uma mulher.

A aldeia busca manter a tradição do povo Mbya-Guarani através do cultivo do milho Avaxi Ete. Essa é uma conexão da ancestralidade com a vivência do presente e a construção de um futuro. Entretanto, para realizar o sonho de guardar a tradição de seu povo, o caminho de Kerexu foi repleto de dificuldades.

“Eu tive um sonho muito nítido. Vi uma aldeia recém construída, com casas feitas de bambu, como as tradicionais que minha avó me contava. Eu vi também uma casa de reza, que tem um significado gigantesco para nós. O milho, plantado e colhido, é um agradecimento à cura e ao batismo. Quando encostei nesta casa, a terra ainda estava úmida e acordei. Minha mãe e meu marido me falaram que era Nhanderu (Deus em Guarani) e Nhandexy Hete (nossa mãe eterna), mostrando minha aldeia”, lembra.

A partir deste sonho, Kerexu e o marido buscaram a localização de onde a aldeia iria começar. Depois de várias expedições, decidiram que a aldeia também ficaria na Ilha da Cotinga, local onde nasceu e foi criada.

No final de 2018 foi construída a primeira casa da aldeia, depois a segunda, e assim por diante. Hoje, já possuem a própria casa de reza e cerca de 21 pessoas entre mulheres, homens e crianças, trabalham na colheita do milho e de outros alimentos fundamentais, como a mandioca, batata doce, melancia e amendoim.

Eleita como cacique em 16 de novembro de 2018, Kerexu lembra que algumas espigas utilizadas no primeiro plantio haviam sido guardadas por sua avó e sua mãe, e por isso considera que as mulheres são as principais guardiãs da tradição do milho Avaxi Ete. “O milho e a plantação nos trazem muita força. Os homens participam e ajudam, mas são as mulheres que fazem a plantação junto aos filhos. A mulher, dentro da comunidade, se torna a guardiã das sementes”.

Fortalecendo o plantio e as tradições

A colheita deste ano trouxe muita alegria para a aldeia, que viu no milho vermelho o resultado de muitas lutas e vitórias, além de um grande senso de trabalho em comunidade e da importância da espiritualidade. O cultivo também trouxe autonomia, tanto no aspecto alimentar quando econômico, pois permite que se alimentem de maneira suficiente com o que produzem, reforçando a importância do Nhandereko (jeito de ser e viver Guarani). A previsão é que para o plantio deste ano, que acontece no mês de setembro, chegue a triplicar.

Kerexu explica que o principal objetivo da colheita é que a semente chegue onde se está precisando. “Não vendemos o milho que plantamos, nós trocamos com outras aldeias, porque acreditamos na importância de cultivar a semente sagrada dentro da nossa cultura”.

Além disso, a próxima colheita, que acontece em março do ano que vem, traz junto ao povo da aldeia Tekoa Takuaty, a expectativa da realização da cerimônia do milho, Nhemongarai, um ritual muito importante para o povo Mbya-Guarani, em que se recebe orientação espiritual e de cura. As sementes do milho são benzidas, trazendo a renovação da vida e o fortalecimento para o corpo e espírito.

Uma rede de apoio entre mulheres indígenas

Na cultura Mbya-Guarani, a origem de toda a humanidade se deu a partir da criação de uma mulher gerada por Nhanderu (Deus). Passada de avó, para mãe e depois para filha, a mensagem que Kerexu deixa é que as mulheres precisam acreditar na sua ancestralidade, pois nasceram desta força da criação.

Ela lembra que passou por muitos momentos onde não foi vista como Cacique, ou que não teve sua voz ouvida, mas que voltar para sua comunidade e ver a alegria das mulheres ao trabalhar na plantação do milho Avaxi Ete, e a confiança que adquirem ao longo do tempo, lhe dá forças para não desistir. Além disso, o apoio que sempre teve de sua avó e mãe, a fortaleceram para que lutasse e buscasse seu espaço.

“Acredito que não adianta apenas lutar pelas mulheres, mas sim apoiá-las para que vejam a força que elas têm. Nós mulheres temos que dar as mãos, e com isso construímos um mundo melhor. A gente consegue sim, não é à toa que estamos aqui”, finaliza Kerexu.

 #MulheresRurais, Mulheres com Direitos

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultur (FAO) promove há cinco anos a campanha #MulheresRurais, Mulheres com Direitos, uma iniciativa conjunta e colaborativa de âmbito internacional e intersetorial na América Latina e no Caribe, para promover a visibilidade das mulheres rurais, indígenas e afrodescendentes em um contexto complexo de desigualdades estruturais e desafios sociais, econômicos e ambientais. Diante do impacto da pandemia de COVID-19 na região, os desafios tornaram-se ainda maiores.

No Brasil, a organização da campanha está a cargo do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que atuará em conjunto com o gabinete da primeira-dama, com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e com a FAO no Brasil.

A história de Juliana Kerexu, Cacique da aldeia Tekoa Takuaty, mostra a importância do papel das mulheres e de suas comunidades como guardiãs de sementes, alimentos tradicionais, recursos naturais, sabedoria ancestral, cultura, direitos humanos, entre outros, tornando-as verdadeiras guardiãs do desenvolvimento sustentável.