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Brasil

Apresentação

Este informe sintetiza as principais informações relacionadas a geração de energia elétrica a partir de biomassa no Brasil, nos termos propostos pela organização do evento, seguindo a itemização sugerida. Informações complementares sobre a situação brasileira podem ser obtidas nos demais trabalhos apresentados pelo autor, "Uso de biomassa florestal para Geração Elétrica em grande escala: o projeto "WBP-SIGAME" brasileiro" e "Experiências de Geração de Energia a partir de Biomassa no Brasil: aspectos técnicos e econômicos".

Situação atual da geração de eletricidade a partir de biomassa no Brasil

O setor elétrico brasileiro expandiu-se significativamente nas últimas três décadas, contando atualmente com quase 60 GW de capacidade instalada, em sua maior parte em sistemas hidrelétricos de médio e grande porte. A participação da biomassa é bastante reduzida, podendo ser considerada expressiva apenas junto aos autoprodutores, em particular nos sistemas de cogeração em agroindústrias. Dados do Balanço Energético Nacional -BEN- indicam que a parcela atendida pela biomassa representou em 1994 apenas 2,0% da geração total de eletricidade, sendo que 85% desta parcela ocorre em sistemas de cogeração em indústrias de celulose e papel e nas usinas de açúcar e álcool. A Figura mostra como evoluiu a geração elétrica a partir da biomassa no país, no período 1978-94, tendo sido considerada a lenha, o bagaço de cana, a lixívia celulósica e outros resíduos de biomassa. Como esta geração efetuada por autoprodutores é dificilmente acompanhada pelos sistemas de informação energética, acredita-se que o valor real possa ser superior ao apresentado nesta figura (BEN, 1995).

Figura. Produção de eletricidade a partir de biomassa no Brasil

Política energética brasileira e a geração de eletricidade a partir de biomassa

Para avaliar o interesse no Brasil na geração de eletricidade a partir de biomassa, deve ser considerada a extensão de seus recursos florestais e de resíduos de biomassa, já disponíveis ou potenciais, o desenvolvimento da silvicultura brasileira, as necessidades de expansão de seu parque de geração de eletricidade, as dificuldades de manutenção do atual modelo hidraulicista e o atual estado de desenvolvimento tecnológico dos sistemas térmicos de potência de base dendroenergética. Todos estes fatores convergem para reforçar as vantagens desta forma de suprimento de eletricidade, que traz ainda outros benefícios importantes para o caso brasileiro, como a geração de empregos de baixa qualificação e a possibilidade de ocupação produtiva de terras marginais.

Embora não seja muito difícil apontar boas oportunidades para a geração de eletricidade a partir de biomassa no Brasil, a inexistência de uma política energética mais ativa não tem criado ainda todas as condições favoráveis para sua expansão. A política energética brasileira, formalmente pouco explícita, mas implicitamente visível nas ações de governo, geralmente orientadas para as questões de curto prazo e relacionadas com os hidrocarbonetos fósseis e a energia elétrica convencional, tem relegado à biomassa um papel coadjuvante no cenário energético, absolutamente incompatível com suas potencialidades. O Estado deve exercer seu poder no campo energético, coordenando a expansão da matriz energética, definindo metas estratégicas, estabelecendo recursos e orientando o processo econômico, já que as forças de mercado somente são reconhecidamente míopes e incapazes de perceber todas as dimensões do processo econômico, em particular seus componentes sociais e que extrapolam o curto prazo.

A despeito de suas externalidades, de todas suas implicações de carácter ambiental, os combustíveis de biomassa tem sido os únicos (com a exceção do álcool automotivo) a terem seus preços determinados por mecanismos de livre concorrência, sem interferência direta do Estado. Além disso, em sua totalidade, a gestão do setor energético vinculado à biomassa está em mãos de empreendedores privados. Exatamente sob tais condições de liberdade de preços e privatização que a existência de uma política energética é ainda mais importante, tendo em vista o bem comum. Assim, fica difícil justificar as recorrentes dificuldades para preservar a participação relativa da biomassa na matriz energética brasileira. Como exemplos de contextos a requerer uma postura menos passiva dos órgãos de governo devem ser citados o Programa Nacional do Álcool, que necessita de urgente revalorização, e a siderurgia a carvão vegetal, que atravessa um quadro complicado, inclusive tendo de competir com coque importado da China sob preços artificialmente reduzidos. Em tal ambiente, não espanta que as iniciativas para estimular a geração de eletricidade a partir de biomassa tenham se dado de modo isolado e desarticulado de uma real política energética.

Projetos em operação e programados

(vide o trabalho "Experiências de geração de energia elétrica a partir de biomassa no Brasil: aspectos técnicos e econômicos", apresentado neste evento)

Aspectos ambientais

As questões associadas aos impactos ambientais coorespondentes à geração de eletricidade a partir de biomassa podem ser colocadas em dois momentos: na fonte de produção ou na ponta do uso final, correspondente nesse caso ao sistema de conversão em eletricidade.

A produção econômica de lenha, oriunda de formações cultivadas ou de manejo racional, em bases sustentáveis é talvez um dos maiores desafios que se colocam ante as perspectivas favoráveis para intensificar a participação da biomassa na oferta de eletricidade. O Brasil dispõe de razoável experiência na implantação de florestas homogêneas com alta produtividade, inclusive incorporando modernas técnicas de engenharia genética, mas a difusão de métodos de manejo sustentado de formações nativas ainda é limitada. As centrais dendroenergéticas instaladas durante os anos oitenta mostraram que o suprimento adequado de combustível é um problema relevante a ser equacionado, sendo frequentemente determinante do sucesso do empreendimento. A magnitude das reservas florestais brasileiras aponta pelo menos para a especulação das possibilidades de seu uso para fins energéticos, sob regeneração controlada, tema pouco estudado, mesmo séculos após a chegada da civilização ocidental à Amazonia. Atualmente já é bem estabelecido que o intenso desmatamento observado nas décadas recentes nas florestas úmidas brasileiras está em grande parte associado ao processo de expansão da fronteira agrícola, sendo mister conscientizar os decisores das vantagens que podem ser auferidas pelo uso sustentável da produção florestal. Não é condição "sine qua non" da produção florestal a existência de impactos negativos sobre o meio ambiente, podendo mesmo ser identificados benefícios em muitos casos, decorrentes da incorporação de terrenos marginais e de baixa produtividade para culturas anuais, da elevação e estabilização do nível do lençol freático e da redução do processo erosivo. Tais comentários aplicam-se particularmente à formação de florestas homogêneas com objetivos energéticos, sendo absolutamente desnecessários no caso do emprego de resíduos, onde os benefícios são "de per si" evidentes. A utilização da fração combustível dos resíduos urbanos, com alta redução de seu volume e de seu potencial poluidor é uma importante vantagem a considerar em tais situações.

Quanto aos impactos associados ao consumo das principais biomassas, lenha e bagaço, as tecnologias convencionais de combustão e de tratamento de gases, atualmente disponíveis, são plenamente suficientes para abater as emissões de particulados e eventualmente de CO e NOx aos níveis estabelecidos pelas normas mais exigentes. O caso dos gases de combustão de resíduo urbano, onde podem ser detectados compostos orgânicos pesados resultantes da combustão de plásticos, é preciso que o sistema de tratamento de gases assegure a virtual eliminação destes compostos. Neste tema poderia ser lembrado ainda que a biomassa não contém enxofre, sendo seus produtos de combustão isentos de SOx. Em escala mais planetária, deve ser lembrado que a biomassa produzida de modo sustentável não aumenta o estoque atmosférico de CO2, outra vantagem significativa frente aos demais combustíveis fósseis.

Aspectos legais e normativos

Durante os últimos anos tem havido no Brasil diversas tentativas de modificação do arcabouço normativo concernente à autoprodução de eletricidade, de modo a flexibilizar o monopólio das concessionárias e estimular a participação do capital privado, simultaneamente à racionalização do setor energético, no momento em que a geração termelétrica passa a ser cada vez mais requerida. De um modo quase geral, o incremento da participação da biomassa na geração de eletricidade no Brasil deverá ocorrer em sistemas de cogeração, portanto a existência de normas claras e eficazes que permitam uma relação proficua entre autoprodutores e concessionárias é imprescindível, pois sem clareza quanto a forma de negociar excedentes, pisos e tetos tarifários, cobertura de riscos, etc., poucos empreendedores se dedicarão à cogeração. Neste sentido a legislação recentemente aprovada pelo Congresso Nacional; a Lei N° 8987, de 13 de fevereiro de 1995, que dispõe sobre o regime de cocessões e permissão da prestação de serviço público, previsto no Art. 175 da Constituição Federal e a Lei N° 9074, que estebelece normas para outorga e prorrogação das concessões e permissões de serviço público, abre interessantes e oportunas possibilidades, podendo se esperar uma expansão da autoprodução no Brasil. Cabe contudo observar que falta ainda uma definição mais explícita dos níveis de desempenho mínimo a serem atendidos, de modo a diferenciar os cogeradores e permitir estímulos mais objetivos para esta tecnologia.

Quanto a produção de energia eléctrica a partir de biomassa no amido das concessionárias, é bastante heterogênea a postura entre as diversas empresas que constituem o Setor Elétrico brasileiro. Embora na maioria dos casos inexistem iniciativas, em alguns casos, como a CEMIG - Companhia Energética de Minas Gerais, a CHESF - Companhia Hidro Elétrica do São Francisco e a CPFL - Companhia Paulista de Forca e Luz, observa-se uma saudável especulação de possibilidades e uma postura inovadora. Espera-se que tais exemplos sejam indutores de projetos efetivos em outros contextos.

Como já afirmado anteriormente a viabilização de centrais dendroenergéticas depende em boa medida do desenvolvimento de sistemas de suprimento de lenha em bases economicamente viáveis e ambientalmente sustentáveis. Neste sentido é preciso que se reestruturem os mecanismos de fomento florestal vigentes nos anos setenta, como o FISET, um fundo formado de por isenções fiscais e destinado a programas de reflorestamento.

Recomendações de apoio à geração de eletricidade a partir de biomassa no Brasil

As condições particulares da expansão do Setor Elétrico brasileiro na atualidade, a necessidade de geração de postos de trabalho e a base de recursos naturais disponível são fatores de estimulo à penetração da geração de eletricidade a partir de biomassa no Brasil, entretanto não excluem a necessidade de serem desenvolvidas ações complementares de estímulo, como se apresenta a seguir:

- Levantamento criterioso e difusão de dados relativos aos fluxos e potenciais naturais de biomassa florestal nativa e plantada, bem como dos resíduos lignocelulísicos gerados em agroindústrias. De um modo geral, a lenha, o bagaço, e demais resíduos de biomassa por diversos motivos, são tratados no Balanços Energéticos Nacional e Estaduais sempre de modo indireto e susceptível a grandes desvios, pouco se dedicando a analisar as efetivas disponibilidades (assumidas iguais as estimativas de demanda...). A elaboração de uma base de dados consistente, ainda não disponível, é condição básica para uma Política Energética sustentável em biomassa. Naturalmente que esta é uma tarefa de grande envergadura e dificeis questões de ordem metodológica, mas que deve ser enfrentada de modo cooperativo entre as diversas instituições relacionadas, inclusive podendo ser prevista uma abordagem gradualista, com paulatino detalhamento setorial e regional.

- Análise da formação de preços de lenha. Por constiuir-se um dos poucos energéticos cujos preços não são controlados pelo Governo, os preços da lenha e de seus derivados apresentam significativa variação regional e sazonal, que cabe acompanhar, compreender e divulgar, inclusive considerando as possibilidades de suavização dos ciclos e gradual formação de mercados estáveis para estes produtos. A CEMIG Companhia Energética de Minas Gerais e a AAE-Agência para Aplicação de Energia do Estado de São Paulo têm efetuado levantamentos periódicos dos preços de biomassa em diversos municípios, mas ainda não se dispõe de uma análise sistemática da formação destes preços, em termos de seus componentes de custo (custo de terra, da mão de obra, fretes, taxas de interesse, impostos, etc.), tampouco de uma divulgação com maior abrangência. A disponibilidade de estudos deste tipo pode orientar melhor as políticas fiscais e de financiamento voltadas para estimular racionalmente a expansão do uso da biomassa, inclusive para a geração de energia elétrica.

- Apoio à capacitação de pessoal e ao desenvolvimento tecnológico em temas de biomassa. A magnitude dos recursos de biomassa e os já citados desafios para sua correta utilização impõe que se constitua uma forte base de recursos humanos para o projeto, construção, implementação e exploração desta fonte energética. Da mesma forma, é imprescindível que as instituições de ensino e pesquisa brasileiras adotem mais claramente a temática da biomassa em suas pautas de trabalho, nas suas várias alternativas, escalas e implicações, sob o sério risco de permanecermos sempre colonizados nesta área. A biomassa energética é um dos mais importantes recursos naturais renovaveis do Brasil e as ações para efetivar o domínio das técnicas neste campo são ainda muito tímidas. Neste sentido pode ser lembrado que o projeto de implantação de uma central BIG-GT (Projeto WBP-SIGAME) na Bahia, de transcendentes possibilidades, está sendo praticamente todo desenvolvido fora de nossas fronteiras (EUA, Finlândia), o que é compreensivel dado à inovação tecnológica presente, mas ainda, salvo honrosas excessões, não empolgou a comunidade científica brasileira e tem sido pouco discutido como tema de pesquisa acadêmica.

- Apoio á geração termelétrica em unidades de pequeno e médio e em sistemas de cogeração. As perspectivas de evolução do Setor Elétrico brasileiro apontam para um paulatino incremento da geração de orígem térmica e para saudáveis modificações de carácter institucional, abrindo um campo interessante para a biomassa, em particular nos sistemas isolados e junto aos produtores industriais de resíduos de biomassa, sob sistemas de produção combinada de calor e potencia, evidentemente para os contextos de maior disponibilidade de biomassa. Particularmente quanto ao último caso, a cogeração no Brasil ainda se ressente de uma legislação que qualifique adequadamente os autoprodutores e assegure tanto a possibilidade da interligação com a rede pública de distribuição, como uma remuneração dos excedentes energéticos em nível do custo evitado pela concessionária.

- Reforço e aplicação ampla da legislação florestal, em particular coibindo o suo de lenha de desmatamento. As experiências em diversos Estados tem mostrado o papel determinante da aplicação firme das leis de proteção dos recursos florestais em busca de um suprimento sustentável de lenha mediante silvicultura e manejo racional. Um bom exemplo aqui é a Lei Florestal de Minas Gerais, coibindo o uso de carvão de mata nativa e induzindo a expansão das florestas energéticas. Relacionadas também com os aspectos legais da Política Florestal, as Cooperativas de Reflorestamento são iniciativas muito interessantes e devem ser estimuladas. Tais cooperativas, como as existentes em São Paulo e Santa Catarina, visam aplicar a taxa de reposição florestal, obrigatóriamente recolhida por usuários de lenha, para a constituição de canteiros de mudas e formação de talhões de eucalíptos, naturalmente sob autorização do IBAMA.

Perspectivas da geração de eletricidade a partir de biomassa no Brasil

Pode-se considerar que as perspectivas para a produção de eletricidade a partir de biomassa no Brasil são favoráveis, mas requerem um adequado ordenamento político-normativo para sua consecução. Apresenta-se a seguir alguns objetivos básicos, relacionados á biomassa energética e que devem ser postulados buscando estabelecer uma Política Energética racional e sustentável, que atenda às necessidades de crescimento e desenvolvimento da comunidade, sem comprometer seus recursos naturais e harmonizando-se com as demais ações de economia e redução de perdas no sistema energético, sempre tendo em vista os potenciais e as carências brasileiras, em un amplo sentido.

- Buscar na geração de eletricidade uma maior participação das biomassas de carácter renovável, compreendidas como aquelas obtidas a partir de fluxos naturais explorados no limite de sua sustentabilidade, em formações nativas ou plantadas, inclusive de resíduos.

- Respeitar as características regionais e locais quanto aos padrões tecnológicos a adotar (escalas, procedimentos, etc.), evitando propostas generalizadoras para contextos e realidades distintos e valorizando as competências e experiências locais.

- Avaliar os sistemas energéticos em suas dimensões econômicas sociais e ambientais procurando evidenciar e ponderar os custos e beneficios de carácter não-financeiro.

- Respeitar os mecanismos de mercado no estabelecimento de preços, sempre contudo reconhecendo o papel fundamental da energía como provedora de qualidade de vida e de desenvolvimento e portanto compreendendo a função do Estado na promoção de um adequado sistema energético.

- Estimular o permanente desenvolvimento de arma capacitação nacional para projetar, construir e operar sistemas energéticos de complexidade crescente, mantendo-se sempre aberta e fluída a troca de idéias e experiências nos eixos Sul-Norte e Sul-Sul.

- Disseminar amplamente as dimensões conservativa e dissipativa dos fenômenos energéticos entre todos os responsáveis neste campo, valorizando iniciativas como cogeração, cascateamento térmico e redução de irreversibilidades termodinâmicos.


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