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2. CARACTERÍSTICAS GERAIS DA PESCA INTERIOR NO BRASIL

O Brasil dispõe de importantes recursos pesqueiros de água doce, em poucas, porém muito extensas, depressões hidrográficas. Outras massas d'água isoladas, fora desses sistemas fluviais, são raras. Alguns rios pequenos que desembocam diretamente no Oceano Atlântico têm interesse apenas local. Algumas grandes lagoas costeiras, de águas salinas, alcançam importância econômica.

2.1 Recursos

As principais depressões hidrográficas da América do Sul são apresentadas no Gráfico l, segundo H.H. Mercer, 1972.

O Brasil abriga a maior parte da Bacia Amazônica e quase metade da Bacia do Paraná. Ambos os sistemas fluviais originam-se em grandes altitudes, das rochas cristalinas do “Planalto Brasileiro Central”, da era paleozóica e dos sedimentos da era mesozóica dos Andes, drenando, em seu percurso até o Oceano Atlântico, extensos areais cobertos por florestas tropicais de alto índice pluviométrico. A terceira bacia em tamanho, a do Orenoco, situa-se fora de Brasil, enquanto que a Bacia do São Francisco aloja-se inteiramente em território nacional; apresenta, porém, em contraste com as outras duas, um clima seco de savana.

2.1.1 - O sistema fluvial Amazônico

Depois das últimas atividades do consultor na Amazônia, em 1956–58 extenso trabalho de pesquisa sobre limnologia, ecologia, ictiologia, fauna e flora, foi executado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (INPA), em Manaus, e pelo Max Planck Institut für Limnologie, de Plon, República Federal da Alemanha.

O presente relatório deve limitar-se aos fatos essenciais, que são necessários para justificar as conclusões e recomendações feitas pelo consultor.

2.1.1.1 - Histórico Geológico

A geologia de hoje supõe que a Bacia Amazônica foi formada de uma baía aberta do Oceano Pacífico, que foi separada do mar pelo afloramento dos Andes no final da era mesozóica. A baía foi perdendo gradativamente a salinidade e foi enchida principalmente com depósitos de água doce. Na era diluviana, o nível dos oceanos era mais baixo e as grandes massas d'água podiam carregar profundos e extensos vales para o interior da superfície da depressão, vales onde os rios de hoje correm em leitos mais estreitos, porém que podem cobrir completamente na estação das cheias.

2.1.1.2 - Dados Geográficos

O rio Amazonas drena (segundo Geisler, Knöppel e Sioli, 1973) uma área de 7.000.000 km2, despejando no oceano, a média anual de 200.000 m3 de água por segundo, o que corresponde a cerca de 1/6 a 1/5 de toda a massa de água doce lançada no oceano. As terras baixas da Bacia Amazônica cobrem cerca de 4.000.000 km2 dos quais 1% ou 40.000 km2 são cobertos por massas d'água na estação na época das vazantes. Essa área pode duplicar durante a estação das cheias (a extensão na época das cheias pode ter sido subestimada pelos autores citados). Cerca de 40.000 km dos rios do sistema fluvial amazônico são navegáveis.

A largura do rio Amazonas é estimada em 5 km, em média, no trecho entre Manaus e o Oceano Atlântico. Na parte mais estreita, próximo a Óbidos, onde toda a água flui em um só leito de rio o autor mediu, em 1957, 1980m. O rio é, em sua maioria, subdividido por muitas ilhas de diferentes formas e tamanhos, em diversos riachos interligados. A largura total desses afluentes, em conjunto, pode ser de 5 km ou mais. Na estação das cheias, o rio pode cobrir o fundo de todo o vale diluviano e atingir uma largura de 100 a 150 km em algumas faixas, por exemplo, na área de Maués, abaixo de Manaus.

2.1.1.3 - Tipos de rio

Segundo os estudos básicos realizados por Sioli, a pesquisa no Amazonas faz distinção entre 3 tipos de rios: rios de águas brancas, rios de águas claras e rios de águas negras. Esta é uma diferenciaço prática que serve para dar certa ordem à multiplicidade de aparências. As características químicas e biológicas podem variar consideravelmente, dentro de cada grupo.

a) Rios de águas brancas: são os que nascem fora da Bacia Amazônica, por exemplo, nos Andes e nas montanhas das Guianas ou da Venezuela, e o Solimões, que é o próprio rio Amazonas. São carregados de material de erosão, trazido de suas áreas de origem, que torna suas águas branco-amareladas e opacas. Segundo Geisler, Knöppel e Sioli, 1973, essas águas brancas transportam em média 300 mg/l de matéria em suspensão. Certamente, grandes variações são possíveis no que diz respeito à origem, estação, velocidade da corrente, turbulência etc. O pH das águas brancas é, em média, próximo ao neutro (7), com tendência a uma leve acidez, porém raramente abaixo de 6,5.

b) Rios de águas claras: Podem ser considerados um caso especial do grupo anterior. Nascem em terrenos cristalinos (por exemplo, o Planalto Brasileiro Central) de granito e gnaisse, tendo um longo curso com pequena declividade sobre rocha primitiva, onde a erosão é pequena. Assim como os rios de águas brancas, eles penetram na Bacia Amazônica formando cachoeiras, cascatas e corredeiras. Formam grandes lagos antes de entrar no rio Amazonas, abaixo das quedas d'água. Esses “lagos desembocaduras” (mouth lakes) têm águas transparentes onde se desenvolve plancton verde. Exemplos desse tipo de rio são o Tapajós e o Xingú. As propriedades químicas dos rios de águas claras podem variar consideravelmente (Geisler et al). O pH é quase neutro (6,5) nos “mouth lakes” e ácido (5,2 – 5,8) no planalto cristalino. Os rios de águas brancas podem adquirir, às vêzes, águas claras na época seca, ocasião em que a velocidade da corrente é reduzida, por exemplo, o rio Madeira.

c) Rios de águas negras: são distróficas ou de humus, originando-se em sua maior parte das florestas virgens. Têm também grande transparência, mas apresentam água de coloração marrom devido a substâncias de humus coloidal. O rio Negro é o melhor exemplo conhecido. Nesse rio, o nível de pH é muito abaixo de 5,5; próximo a cidade de Manaus, é de cerca de 4,5 e, nos pequenos tributários, até 3 (índices do INPA). Esses níveis são fatais para muitos organismos aquáticos. À primeira vista, as águas negras parecem completamente sem vida. Não existe plancton verde nem qualquer espécie de alga, embora aumente a proliferação de bactérias. Observase algumas vêzes zooplancton de crustáceos, que poderia nutrir-se de bactérias, diretamente de humus coloidal ou mesmo de matéria orgânica diluída. Ocasionalmente encontram-se peixes isolados, mas isso parece ser, apenas, raras exceções de espécies possivelmente alcalifóbicas.

2.1.1.4 - Águas paradas

O histórico geológico (2.1.1.1) explica a presente articulação da Bacia Amazônica por graus de altitude.

No planalto fora da bacia, os lagos são relativamente raros. Os lagos chamados “braço morto” aparecem quando uma das voltas de um rio de meandros acentuados é interrompida pela ação da água. Abaixo das cachoeiras, rios principais correm em extensos vales formados na era diluviana, e transbordam na época das cheias. O terreno que não é inundado pelo rio chama-se “terra firme”. Os poucos lagos pequenos existentes nessa área, que podem também ser do tipo “braço morto” têm em sua maioria, águas claras e um tanto distróficas.

Os grandes planos de inundação dentro dos vales da era diluviana são chamados “várzeas”. Raramente são cobertos por florestas e apresentam inúmeros lagos periódicos e perenes.

Os lagos encontrados nessas várzeas, que têm ligação na superfície com os rios de águas brancas, adquirem imediatamente a cor e qualidade da água desses rios. Outros, sem ligação com o rio na superfície, têm ligação subterrânea e são, por esse meio, enchidos. Na aparência são claros ou “negros” até que a água do rio entre e chegue à superfície. Quando as águas alcançam o nível mais alto, todos os lagos da várzea podem se unir e formar uma só massa d'água.

Quando baixam de nível, muitos lagos são separados do rio por diferentes períodos de tempo, ocasião em que a qualidade de suas águas pode se tornar bem diferente da qualidade da água do rio. Os lagos de várzea são considerados as águas piscosas mais importantes da Bacia Amazônica.

Vastas áreas madeireiras, fora da várzea, podem permanecer inundadas durante meses, como resultado de escoamento difícil. Esses longos períodos de inundação atuam seletivamente sobre a composição da floresta por espécies de árvores e na formação de um tipo especial de floresta, denominado “igapó”. A água parada nos igapós é grandemente distrófica, ácida e contém poucas formas de vida. As áreas mais amplas de igapós estão localizadas nas cercanias do alto rio Negro e se estendem à depressão do Orenoco. Um tipo de igapó muito diferente desenvolveu-se na zona das marés do Tocantins, com inundações causadas pelo movimento das marés. Suas águas são renovadas duas vêzes ao dia e têm as características da água do rio.

2.1.1.5 - Fertilidade das águas

A fertilidade das águas depende principalmente de minerais dissolvidos e exauríveis (como o fosfato, os compostos de nitrogênio e o cálcio), gases (dióxido de carbono e oxigênio) e fatores físicos variáveis (temperatura, luz etc.). O teor de cálcio, dióxido de carbono e oxigênio varia de acordo com os processos de assimilação e respiração dos organismos, e com a temperatura. O pH é, em termos gerais, uma expressão do equilíbrio das concentrações alcalina e ácida dos minerais dissolvidos e dos gases, que varia consideravelmente, de acordo com os processos de assimilação e respiração, nas águas com pequeno teor de minerais alcalinos. O cálcio é um vetor de fertilidade na água doce (nunca está ausente no mar), porque se liga ao carbono (contido em toda a matéria orgânica), na forma de dióxido de carbono, durante sua assimilação pelos vegetais, sob a luz (fotossíntese). A quantidade de minerais exauríveis, que são essenciais para a síntese de matéria orgânica, limita a fertilidade. As águas naturais podem trazer esses minerais de sua área de origem ou obtê-los (extraí-los) dos solos por onde passam. Os solos da Bacia Amazônica são pobres depósitos de água doce do antigo Lago Amazonas (2.1.1.1, pág. 4), de areias lixiviadas e argila de rio, praticamente sem teor de cálcio, fosfato e outros minerais essenciais. Os Andes e outras montanhas consistem de material vulcânico e depósitos marinhos, que contêm a maioria dos minerais necessários, se decompoem facilmente e formam solos férteis. Os solos do altiplano cristalino contêm a maior parte dos minerais porém, apresentam tendência à acidez, se decompõem com menos facilidade e são menos férteis do que os anteriores. Esse esquema rudimentar pode ser aceito como uma breve introdução.

Os cientistas do INPA e do Instituto Max Planck realizaram numerosas análises químicas dos vários tipos de água.

As águas oriundas da Bacia Amazônica, em solos muito pobres, como os rios de águas negras e os lagos “terra firme”, têm baixa (se é que alguma) produção de fitoplancton e de vegetação superior submersa, fixa ou flutuante. A produção de peixes é nula ou insignificante.

Os rios de águas brancas, os de águas claras e os lagos que se comunicam com eles têm, principalmente, fertilidade ectogênica: os nutrientes procedem das cabeceiras dos rios. Em geral, o conteúdo de minerais encontrado nas águas de superfície dos trópicos úmidos é extremamente baixo. Isso se explica pelo fato de que as pesadas chuvas não conseguem se infiltrar no solo úmido, porém correm pela superfície diretamente para os riachos, rios e lagos sem ter a oportunidade de dissolver os minerais encontrados no solo.

O conteúdo de fitoplancton da maioria dos rios de águas brancas e de muitos lagos de várzea é insignificante, devido à grande turbulência dos rios e à opacidade predominante na maior parte dos lagos. A camada fotogênica é insignificante pois a luz penetra apenas poucos centímetros. Apenas as águas claras, praticamente paradas, das desembocaduras dos rios Tapajós e Xingú, possuem camadas fotogênicas relativamente importantes. Os lagos de várzea podem desenvolver água fotogênica de superfície, quando sua opacidade é reduzida pela precipitação, após as inundações. No entanto, isso ocorre apenas por um curto período ao passo que, nas desembocaduras dos rios de águas claras, a camada fotogênica é mais constante.

Também a vegetação superior submersa é rara nas profundidades escuras das águas turvas. No entanto, a vegetação flutuante (Eichhornia, Paspalum, Echinochloa, Oriza, Leërsia) e outras gramíneas, a mimosa flutuante Jussiona spec., Pistia, Salvinia, Lentilhas aquáticas e outros) ultrapassa evidentemente a produção restante de vida aquática. Os lagos de várzea e braços de rio são, com freqüência, ocultos por uma cobertura de plantas flutuantes. A principal corrente do Amazonas transporta, em certas épocas, uma esteira de vegetação flutuante, com centenas de quilômetros de comprimento, ou grandes porções dessa vegetação.

Sob essa cobertura desenvolve-se zooplancton multiforme. As raízes colhem partículas orgânicas e inorgânicas em suspensão, que podem servir talvez diretamente (por vêzes com resíduos de raízes mortas ou de outras partes de planta) de alimento para esse plancton.

A fauna atmosférica que morre afogada é certamente um alimento muito importante na Várzea inundada. Presentemente as implicações desse fato estão sendo estudadas pelos cientistas da Sociedade Max Planck. Os cientistas indicaram também ser provável que as raízes excretem carbohidratos e aminoácidos que poderiam entrar diretamente no ciclo de alimentação.

O teor de fosfato dessas águas com vegetação exuberante é ainda próximo de zero. Essa constatação, por si só, nos leva a concluir que elas apresentam baixa produção de matéria orgânica, se não houver indício (e resultados de pesca) em contrário. Parece que, sob condições ótimas de temperatura nas águas tropicais os ions das substâncias mínimas são fixados quase que completamente nos organismos e são decompostos e reabsorvidos do modo mais fácil e no menor tempo quando esses morrem. Isso mostra que as águas turvas do Amazonas são muito mais férteis do que se pode concluir por análises químicas da água.

Quando os planos de inundação e os lagos de várzea secam, grandes quantidades de matéria orgânica de origem aquática e terrestre se deterioram na terra seca, servindo como fertilizante das águas da várzea na inundação seguinte.

Nas águas do Amazonas, a vegetação flutuante e terrestre pode desempenhar papel mais importante na produção primária do que o plancton: assim também os insetos terrestres e outros animais dos planos de inundação e a vegetação flutuante podem ter uma parte mais importante na alimentação dos peixes do que em qualquer outro lugar.

2.1.1.6 - Estoques pesqueiros na Bacia Amazônica

Segundo Sioli (1973), foram identificadas cerca de 2.000 espécies de peixes.

Essa multiformidade é explicada pelo longo isolamento geológico da Bacia Amazônica sob condições um tanto constantes, de modo que poucos fatores seletivos atuaram na variação e formação das espécies. (x)

Na fauna pesqueira, encontramos todos os tipos de adaptação biológica a condições ecológicas, com grande e pequeno espectro de tolerância.

Os peixes relacionados no Anexo 2 são encontrados regularmente no mercado de Manaus.

Muitas espécies de peixes do Amazonas migram isoladamente ou em pequenos ou grandes cardumes (fato que recebe o nome local de “piracema”), para desovar ou alimentar-se, ou sem razões aparentes. As migrações notáveis dos cardumes dirigem-se rio acima e ocorrem principalmente quando há elevação das águas. Os cardumes de “piracema” são compostos de muitas espécies de tamanho semelhante.

Quando as águas baixam, grandes quantidades de peixes ficam aprisionadas nos lagos fechados de várzea. Quando os lagos secam, os peixes ficam mais concentrados, tornando-se assim presafácil de aves, crocodilos, tartarugas, piranhas e outros predadores. Finalmente, morrem às toneladas, quando os lagos secam completamente. Essas perdas podem ser superiores ao total das capturas atuais.

Algumas capturas contêm inúmeros peixes de tamanho grande e que já ultrapassaram a idade; necessitam de grande quantidade de alimento para sua manutenção e aumentam pouco de peso, em proporção ao alimento ingerido. Épreciso reduzir-lhes o número. No entanto, espécies comercializáveis de peixes de tamamanho abaixo do estabelecido, são também trazidos ao mercado, causando embaraço às autoridades incumbidas da conservação dos estoques. Parecem originarse principalmente de lagos de fácil acesso, onde a pesca pode ser intensiva. Espécies pequenas e não utilizáveis podem predominar em algumas localidades, particularmente os caracídeos, subfamîlia Tetragonopteridae - gênero Astyanax, que recebem o nome coletivo de “lambarí”. São não apenas alimento para espécies maiores mas também competidores. Além disso, algumas delas são predadoras que mordem e molestam peixes grandes não predadores, mordiscando-lhes as nadadeiras.

(x) A mesma multiformidade pode ser observada na flora terrestre e em alguns elementos da fauna terrestre, por exemplo, borboletas e formigas.

Há necessidade de pesquisa mais ampla sobre a composição dos estoques, por idade e espécie, para prover base científica às medidas de administração de estoques.

Algumas espécies eurialinas do mar são regularmente encontradas nas áreas de águas salinas das desembocaduras dos rios. Algumas penetram bem para o interior da água doce.

Na Baía de Marajó, próximo a Belém, desenvolveu-se nos últimos anos, em água salgada, importante pesca de arrasto para industrialização do silurídeo Piramutaba (Brachysplatystoma vaillanti); essa indústria já exporta filés congelados para os Estados Unidos. Essa espécie ocorre também normalmente em água doce.

Os peixes maduros ainda não foram encontrados no mar. Presume-se que os estoques de água doce e marinhos sejam interrelacionados e que os indivíduos jovens do mar tenham que retornar à água doce para desova. Essa teoria deve ser verificada por meio de marcações.

2.1.2 - A Bacia do Paraná

Só a parte leste, quase metade da área total da Bacia do Paraná, é território brasileiro. Enquanto, no passado, a pesca de rio nos Estados sulinos do Brasil era realizada apenas em pequena escala, suplantada pela pesca de mar, a abertura de extenso sistema rodoviário tornou acessíveis remotas regiões do país e colocou em destaque outra parte da Bacia do Paraná, o Pantanal, no Estado de Mato Grosso.

2.1.2.1 - O Pantanal é um vasto plano de inundação, com cerca de 160.000 km2 em território brasileiro, na fronteira com a Bolívia e Paraguai. Esses países vizinhos também abrigam porções menores.

Estudos detalhados da história geológica do Pantanal não chegaram ao conhecimento do consultor. Trata-se, evidentemente, de antiga depressão geológica, repleta de depósitos de água doce, semelhante talvez ao antigo, porém muito maior, lago Amazonas. No entanto, é mais antiga do ponto de vista geológico. A bacia é hoje cortada centripetamente por muitos rios médios e pequenos, que formam, juntos, as cabeceiras do Rio Paraguai. São poucos os dados limnológicos conhecidos, resultantes de recente estudo realizado por técnicos da SUDEPE (L.B. Oliveira Alves, M.B. Morais Filho e F. Alzuguir, 1974). Os rios correspondem mais ou menos ao tipo “águas claras” do sistema elaborado por Sioli para as águas do Amazonas (Sioli, 1969), embora possam apresentar águas opacas na estação das chuvas. A medida do pH de um lago indicou 5,6.

A área assemelha-se muito à várzea do Vale do Amazonas e terá produção de peixes igualmente elevada.

2.1.2.2 - Os outros sistemas fluviais da Bacia do Paraná em território brasileiro

Inúmeros rios menores no Sul do Brasil têm origem próximo à costa do Atlântico e fluem para o oeste em direção ao rio Paraná. Não parece ser prático classificá-los em uma das categorias para as águas do Amazonas.

Melhor estudados são os rios do Estado de São Paulo, que estão ao alcance das Estações Federais de Pesquisa de Pesca e do Laboratório de Pesca da Universidade de São Paulo, ambos em Pirassununga no rio Mogi Guassu, afluente secundário do rio Grande, que desagua no Paraná.

Mais do que qualquer outro lugar do Brasil, esses rios foram modificados pela civilização.

No Estado de São Paulo, a floresta que cobria anteriormente 70 a 75% do solo, foi reduzida a 2 – 3 %. A erosão carrega a camada de humus para dentro dos rios, que se tornam turvos depois de cada chuva. São intensamente poluídos pelo uso irrestrito de pesticidas (DDT), esgotos de grandes indústrias de alimentos nas plantações de frutas, de indústrias de celulose (metilmercaptana) e outras indústrias químicas e pelos esgotos provenientes das residências nas grandes cidades.

Para recuperar terra propícia à agricultura, o curso dos rios é modificado e estreitado por meio de diques, o que acelera o processo de drenagem: durante as estações mais secas eles carregam menos água e desaparecem os lagos que beiram os rios. O nível de água de sub-solo sofre afundamento; os arrozais (alagadiços) precisam ser mantidos no nível por meio de bombeamento. Os serviços sanitários apoiam a drenagem de lagos marginais e dos planos de inundação, para controle da malária. Estes são criadouros, áreas de desova e pastagem para muitos peixes de rio.

2.1.2.3 - Lagos artificiais do sistema do Paraná

A maioria dos rios do Estado de São Paulo e muitos nos Estados vizinhos foram interrompidos por represas hidroelétricas. Nem todas dispõem de escadas para peixes. A maioria constitui obstáculos intransponíveis na época das migrações. Os cercados não têm proteção suficiente, com grades de ferro, contra a entrada de peixes. Não há instalação de telas elétricas. Em 1972, havia (segundo H.H. Mercer, 1972) 28 lagos artificiais no curso dos pequenos rios a leste da Bacia do Paraná, 5 estavam sendo construídos e mais 40 estavam em projeto.

Esses lagos representavam novos, porém diferentes, recursos pesqueiros. Na área montanhosa, sua forma é a do vale do rio. Apresentam muitas baías pequenas e o índice comprimento da margem/superfície, é elevado. No entanto, na maioria dos reservatórios hidroelétricos, as flutuações do nível d'água reduzem a propagação dos peixes que desovam nas margens e o desenvolvimento de um cinturão de plantas. As áreas de peixes jovens são pequenas ou inexistentes.

A pesca é prejudicada pelas árvores remanescentes das antigas florestas, que permaneceram nos lagos e não sofreram deterioração durante muitos anos.

Grandes arrastões de praia, indispensáveis para a administração dos estoques de peixes, não podem ser usados normalmente. A pesca terá que se limitar, durante muito tempo, a técnicas de margens, de pequena escala. Conseqüêntemente, é de prever-se que os reservatórios hidroelétricos venham a ter menor produção por hectare do que os lagos naturais a eles comparáveis.

As autoridades estão construindo instalações para a produção de peixes jovens, para o peixamento permanente dos reservatórios, embora as necessidades de peixamento ainda não possam ser estimadas e seja mais difícil retirar os peixes introduzidos.

2.1.2.4 - Os estoques de peixes da Bacia do Paraná são, ao que se sabe, menos multiformes do que os da Bacia do Amazonas. O anexo 3 contém uma relação dos peixes observados nas capturas comerciais do Pantanal, por L.B. de Oliveira et al. (1974).

São, na maioria, espécies lóticas, que vivem principalmente nas correntes mais fortes de água bem oxigenada, desovando apenas nessas águas. Os hábitos migratórios são mais ou menos os mesmos descritos anteriormente para os peixes do Amazonas; as épocas de migração dependem, principalmente, das inundações e não são idênticas.

Nos locais onde a rota migratória é interrompida por barragens e as populações de peixes são aprisionadas em pequenas faixas de rio, os peixes mantêm na área menor os mesmos hábitos migratórios que apresentavam anteriormente no ambiente maior, não alterado.

Os estoques de espécies exploradas no Pantanal consistem, principalmente, de peixes muito grandes que já ultrapassaram a idade. A pesca mais intensiva renovaria o estoque e aumentaria a produção natural total. Muitos dos peixes mais velhos que migram, podem originar-se da parte do sistema fluvial do Paraná que se encontra fora do Brasil. No Pantanal, o petrecho de pesca legalmente permitido é a rede de emalhar, com 22 cm de malha esticada, enquanto que o arrastão de praia é proibido. Por meio dessa prática bastante seletiva de pesca, os estoques muito grandes de cardumes de pequenos peixes não utilizáveis (lambaris), são favorecidos. Recomenda-se também que aqui seja realizada, com urgência, pesquisa mais ampla sobre o equilîbrio entre as espécies e grupos etários, para elaboração de medidas aprimoradas e cientificamente justificadas de administração de estoques.

2.1.3 - A Bacia do São Francisco

Com 630.000 km2, a Bacia do São Francisco é bem menor do que as anteriormente descritas.

2.1.3.1 - O Rio São Francisco apresenta características bem diferentes dos sistemas já descritos, pois drena uma área seca e montanhosa, com clima predominante de savana, e corre em estreito leito de rio, não desenvolvendo planos de inundação consideráveis. Muitos de seus afluentes secam durante a estiagem. Não recebe águas ácidas das florestas densas, de modo que a água é sempre neutra ou mais do que isso. Devido à pequena pluviosidade em sua área de drenagem e aos solos secos por onde as águas podem infiltrar-se, o conteúdo de eletrolitos é alto. Sua fertilidade por unidade de superfície é consideravelmente maior, porém a produção total é, naturalmente, menos significativa, em virtude do menor tamanho da superfície da água. O DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas) vem promovendo pesquisa e desenvolvimento da pesca.

2.1.3.2 - Lagos artificiais

Nos últimos anos, o curso do rio tem sido subdividido por barragens para produção de energia elétrica. As escadas para peixes já não são construídas há vários anos, porque supõe-se que as massas d'água menores assim criadas, podem ser melhor administradas do que todo o sistema fluvial. Isso é apenas parcialmente correto. Por exemplo, a pesca e a piscicultura em desenvolvimento no baixo São Francisco, baseadas no ciclo de inundação natural, serão certamente prejudicadas pelo fechamento da barragem do Reservatório de Sobradinho, que modificará consideravelmente o ciclo de inundação. Um estudo especial desses efeitos foi iniciado pelo Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento (IBRD).

No curso do rio São Francisco, três grandes lagos foram criados (o último ainda está em construção) com superfície total de, aproximadamente, 6.000 km2. Considerando a fertilidade dos solos naquela área, pode esperar-se que as águas também sejam férteis, com elevada produção de plancton e alimento de fundo. No entanto, a produção real de peixes permanecerá, provavelmente, abaixo daquela dos lagos naturais. Alguns problemas de produtividade dos lagos artificiais foram discutidos no capítulo 2.1.2.3 deste relatório. As sugestões para realizar a piscicultura (capítulo 3.3) nessas águas extensas não são viáveis, porque os seus estoques não podem ser controlados. A aquacultura realizada em tanques-rede pode, certamente, ser estabelecida em qualquer lugar, porém utiliza apenas uma pequena parte da produção natural e depende da alimentação artificial. Mas mesmo que os lagos artificiais produzam menos, por unidade de superfície, que os naturais semelhantes, o tamanho dos recursos exige todos os esforços para torná-los exploráveis. As usinas hidroelétricas brasileiras cobrem, juntas, uma área de cerca de 2.000.000 ha. A SUDEPE planeja estabelecer um instituto de pesquisa pesqueira em Três Marias (Minas Gerais), no alto São Francisco, para estudo dos problemas que ocorrem nos lagos artificiais. Cada lago tem características diferentes e deverá ser estudado individualmente.

2.1.3.3 - Os estoques pesqueiros da Bacia do São Francisco

Os estoques pesqueiros não são tão multiformes quanto os existentes no rio Amazonas. Consistem principalmente de espécies lóticas e assemelham-se mais aos dos pequenos rios brasileiros da Bacia do Paraná. As migrações dos peixes em cardumes grandes e mistos são comuns; no entanto, não foram construídas escadas para peixes nessas barragens. A fauna do peixes dos reservatórios é recrutada da fauna dos rios. Porem alguns peixes lênticos, como as carpas européias e a Tilápia Rendallii, foram também introduzidas. De acordo com experiência em outros lagos tropicais e não tropicais pode esperar-se que, dentro de 3 a 5 anos, estoques pesqueiros completos sejam formados nos novos lagos artificiais, podendo ser capturados.

2.1.4 - Outros recursos interiores

2.1.4.1 - O Nordeste das secas

As duas áreas, ao norte e ao sul da bacia do São Francisco (assinaladas no mapa), segundo Mercer (1972), não possuem um sistema fluvial coerente, mas sim inúmeros rios pequenos e isolados, que desaguam individualmente no mar. Sua produção pesqueira é insignificante. Pertencem à zona de clima seco, onde o DNOCS está trabalhando contra os efeitos das secas. Muitos dos rios menores dessa área correm apenas periodicamente. O DNOCS vem criando barragens para reter a água e proporcionar sistemas de irrigação. A produção de peixes e, eventualmente, a produção de energia, são usos paralelos dessas barragens. Atualmente, 104 desses “açudes” encontram-se em operação cobrindo uma área de cerca de 150.000 ha.

2.1.4.2 - Os estoques pesqueiros dos açudes

A Diretoria de Pesca e Piscicultura do DNOCS vem fazendo nessas águas, notável trabalho de criação de novo estoque de peixes, destinados à alimentação.

Nos pontos do sistema fluvial onde havia presença de piranhas (Pygocentrus natteri e Serrosalmus rhombus), elas foram exterminadas com veneno para peixes (“timbó”) feito de uma leguminosa nativa. Foram desenvolvidos métodos que permitem liquidar apenas as piranhas, com do sagem menor, sem afetar outros peixes. Apenas quatro espécies da fauna local se fixaram nos açudes: curimatã comum (Prochilodus cearensis), sardinha (Triportheus angula), traíra (Hoplias malabaricus) e piau comum (Leporinus spec.). Foram introduzidas mais nove espécies de peixes, procedentes da fauna de outras áreas: do rio Parnaíba, a “pescada do Piauí” (Plagioscion squamo sissimus); da Bacia do Amazonas, o tucunaré comum (Cichla ocellaris) e tucunaré pinina (Cichla temensis), o pirarucu (Arapaima gigas) o apaiari, (Astronotus ocellatus) e a pescada cacunda (Plagioscion surinamensis); do rio São Francisco: curimatá-pacu (Prochilodus argenteus) e piau verdadeiro (Leporinus spec.). A Tilápia Rendallii foi trazida do sul do Brasil. O camarão doce, Macrobrachium amazonicum, foi trazido originalmente do Amazonas apenas como alimento para o pirarucu, porém é agora explorado em capturas comerciais. O peixamento com pirarucu foi interrompido, porque os resultados obtidos não foram satisfatórios.

No momento, vem sendo tentada a introdução do tambaqui (Colossoma bidens) e do pirapitinga (Mylossoma bidens) do rio Amazonas, que se alimentam de plancton e frutas. Todavia, parece que esses peixes não desovam em lagos. A desova estimulada com injeções de extrato de tireóide foi uma experiência bem sucedid a, porém ainda não se conseguiu criar as larvas. Além disso; a introdução do bragre pelágico de água doce, mapará (Hypophthalmus edentatus) que se nutre somente de plancton, está sendo experimentada nos açudes ricos em plancton.

2.1.4.3 - Produção pesqueira dos açudes

Todos os açudes com estoque pesqueiro já estabelecido são explorados pela população local, sob o controle do DNOCS. O Departamento criou postos de entrega de peixes e realiza coleta de estatísticas. A captura anual em 1973 foi de 10.252, 2 t, no valor de Cr$ 17.318.737,5, contribuição espetacular para a alimentação da população, como também para a economia. Considerando-se a extensão das águas, que é estimada pelo DNOCS em 150.000 ha, a produção anual por hectare é avaliada em 61, 6 kg, bastante elevada.

2.1.4.4 - Outros estoques pesqueiros

A truta arco-íris (Salmo Gairdneri, W. Gibb), foi usada no peixamento de riachos frios das montanhas, e lá se estabeleceu, por exemplo, em Bocaina, nos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, a 1.400 m de altura; em Itatiaia, Estado do Rio de Janeiro, em Campos do Jordão, Estado de São Paulo, a 2.000 m; e em Lajes, Santa Catarina. Sabe-se que em Campos do Jordão há também trutas européias (Salmo fario L.). Todos esses estoques de truta são explorados apenas ocasionalmente por amadores.

Um estoque de carpas selvagens (Cyprinus carpio L.) fixou-se (e é explorado) no grande reservatório “Billings”, proximo da cidade de São Paulo. Esses estoques perdem, gradativamente, as características das raças domesticadas das quais se originam. O melhoramento dos estoques através da introdução de “raças puras” recentemente importadas da Europa, como foi sugerido e tentado, será de pouco valor. A seleção contínua, para propagação controlada no cultivo, seria necessária mas não pode ser praticada em um grande reservatório.

A Tilápia Rendallii fixou-se em pequenos rios do sul da Bahia, tendo evidentemente escapado dos tanques de criação. Em estoques mistos, a espécie cresce normalmente, não apresentando tendência à superpopulação.

Várias espécies de camarões de água doce, do genero Macrobrachium, são comuns na maioria dos rios, porém raramente têm mais do que importância local.

2.2 - A Pesca Interior

Devido à grande diversificação do ambiente, águas rasas, difícil acesso para embarcações e petrechos de grande porte, as águas interiores não podem ser exploradas com facilidade por grandes indústrias de pesca. São utilizadas (e terão que sê-lo também no futuro) por pescadores isolados ou somente por pequenas empresas, com o emprego de técnicas artesanais, em pequenas unidades de pesca.

2.2.1 - A população de pescadores

Nos grandes rios e águas explorados já há muito tempo, como os rios Amazonas, Tocantins e São Francisco, bem como nos rios menores dos Estados sulinos, existem populações tradicionais de pescadores profissionais. A maior parte pertence às classes de baixo nível de renda e não se manteve a par dos modernos progressos técnicos devido, principalmente, à falta de capital e mínima comunicação com o mundo exterior. Eles conhecem suas águas e os peixes que nelas vivem, têm vasta experiência do seu ambiente e dominam os petrechos tradicionais. No entanto, possuem poucos petrechos. As redes de cerco maiores estão além de seu poder aquisitivo e, com freqüência, são compostos de vários pedaços pertencentes a diferentes pescadores. Algumas vezes, petrechos maiores e embarcações para transporte são fornecidos pelos “armadores”, comerciantes que recolhem os peixes de vários pescadores. Podem se desenvolver em empresas de pesca de médio porte, dispondo de modernas instalações de refrigeração e meios de distribuição ao consumidor ou mesmo aos mercados de exportação. Poucos filhos de pescadores freqüentam escolas.

Nas águas novas (reservatórios hidroelétricos, açudes etc.) a população de pescadores é também nova, não tem tradição profissional e é recrutada principalmente da população agrícola das vizinhanças. Seu padrão é ainda mais baixo. Utilizam os petrechos mais simples e fáceis de manejar, como anzóis e linhas, tarrafas ou redes de emalhar, em número ínfimo. Freqüentemente, não são capazes de confeccionar redes ou de remendar as de fibras sintéticas, e dependem das redes confeccionadas pelas fábricas.

O DNOCS só emite licenças de pesca mensais. Conseqüentemente, as pessoas têm que basear seu meio de vida na agricultura e permanecer pescadores de tempo parcial. Amplo investimento em mais petrechos, maiores e diversificados, não pode ser tentado.

As colônias de pescadores, organizadas de acordo com os modelos adotados na na pesca costeira, têm pouca influência sobre as operações de pesca e as vendas são deixadas à iniciativa de cada pescador. Não existem verdadeiras cooperativas.

O baixo padrão profissional e a pobreza da população de pescadores constituem, provavelmente, os mais sérios obstáculos para o desenvolvimento da pesca interior, que não são neutralizados pelos esforços empreendidos pelos setores de pesquisa e administração e controle. Os resultados obtidos pela pesquisa e legislação terão pouco valor se não puderem ser implantados por pescadores experientes, que lhes reconheçam as finalidades. O Brasil deve envidar todos os esforços no sentido de formar uma população eficiente de pescadores, com educação básica, suficientemente responsável e apta ao trabalho. Este seria o mais importante instrumento do país para a exploração ótima dos valiosos recursos pesqueiros de suas águas interiores.

2.2.2 - Embarcações e petrechos

A embarcação mais apropriada para operação em águas rasas e cheias de vegetação é a canoa para 2–4 homens, com remos curtos que, no Amazonas, é a canoa índígena, escavada, com paredes finas. O barco a remo tipo europeu provido de remos compridos, introduzido nos açudes, não é prático. Somente os barcos de maior tamanho podem comportar motor de popa. A motorização dos barcos não é considerada necessidade urgente. Os barcos e lanchas maiores são usados para viajar pelos rios até os locais de captura mais distantes. Essas embarcações carregam ou rebocam os barcos de trabalho. Algumas lanchas são equipadas com refrigeradores isotérmicos, com capacidade para várias toneladas de peixe congelado. Poderá ser necessário certo auxílio financeiro para prover de motores os barcos maiores e/ou para a aquisição de lanchas. Sua introdução nos grandes açudes e reservatórios deveria melhorar a eficiência da pesca profissional.

As técnicas de pesca usadas atualmente são, na maior parte, adequadas ao uso em águas tranquilas e, dessa forma, a pesca é conduzida de preferência em lagos e remansos dos rios. O uso de tarrafas predomina. As redes de emalhar, empregadas pela primeira vez no Amazonas, nos açudes do DNOCS e no Reservatório Billings, próximo a São Paulo (em 1956–1958), são agora populares em toda a parte. No entanto, poderiam ser implantadas técnicas e táticas mais versáteis, como as descritas no folheto preparado pelo consultor e impresso pelo SPEVEA, em 1958. O uso de anzóis simples e espinhéis é comum. São empregadas, também, várias redes de cerco específicas. Normalmente, o pescador adota apenas uma técnica o ano inteiro e utiliza o menor número possível de petrechos, por exemplo, uma rede de emalhar de comprimento padrão, 50 m, enquanto poderia manejar facilmente dez ou mais em uma só noite de pesca. Como todo petrecho é seletivo, o uso de uma só técnica pode alterar desfavoravelmente o equilíbrio entre as espécies. Diferentes técnicas e tamanho de malhas, usadas simultaneamente, sáo necessárias para a administração dos estoques multiformes de peixes. Técnicas específicas de pesca em rio de águas correntes, por exemplo arrastão assimétrico de praia, redes de deriva para barcos, redes flutuantes de emalhar e de tresmalhe, não são encontradas em parte alguma.

2.2.3 - O comércio tradicional de peixe fresco

O comércio direto entre pescador e consumidor, por lotes não pesados, ainda é comum. O lote contém 5 a 10 peixes, de espécies, valor e tamanho diferentes. O lote é chamado “fieira” na área do Amazonas e “cambada” em Mato Grosso e nas pescarias tradicionais do Nordeste. Em muitos lugarejos, vendem-se peixes grandes, sem prévia pesagem, a um preço estimado. Efetua-se a pesagem nos grandes mercados de Manaus e Belém. A venda de peixes sem pesagem representa sério obstáculo à introdução da estatística.

Nos estados do sul todos os peixes são pesados. Nos açudes do DNOCS e em alguns reservatórios, todos os peixes são pesados por servidores públicos nos “postos pesqueiros”. Nas águas naturais, todo o comércio de vendas é feito por armadores e, raramente, por pequenas empresas, que dispõem de lanchas para transporte, providas de refrigeradores e, algumas vezes, possuem centros de coleta no local. Os pescadores que obtêm financiamento ou mesmo petrechos tornam-se economicamente dependentes do “armador”. O transporte de peixe vivo, como sugerido pelo consultor em sua última missão e que, em muitas experiências, provou ser viável, não foi adotado. Terminais pesqueiros maiores e melhor organizados só existem em Manaus e Belém. Este último ocupa-se, basicamente, de peixes marinhos. Ambos os terminais necessitam urgentemente ser modernizados. O porto de Belém deveria ser livre de variações da maré.

Desde que o novo sistema rodoviário do Brasil se tornou operacional, grandes quantidades de peixe fresco são descarregados nas margens, diretamente das embarcações fluviais de pesca aos caminhões, para transporte imediato aos grandes centros consumidores, como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília e outros, contornando os terminais e não sendo, portanto, necessariamente incluídos nas estatísticas de desembarque.

O comércio com pirarucu seco e mapará salgado é feito por negociantes especializados, que normalmente não comerciam com peixe fresco. Na venda a varejo esse produto e peixes menores, secos, aparecem nos armazéns, separadamente do peixe fresco.

2.2.4 - Métodos tradicionais de processamento

Os métodos tradicionais de processamento desempenham papel secundário na economia. O pirarucu (Arapaima gigas) é industrializado no próprio local. Écortado em filés, que são curados em pilhas durante 24 horas, levemente salgados e pendurados em cordas, na sombra, para secagem ao ar. A qualidade varia consideravelmente.

O mapará (Hypophthalmus edentatus), bagre pelágico do tamanho do arenque, é salgado-seco em barris de madeira, nos locais de captura. Muitos peixes de menor tamanho, como pacu, jaraqui, branquinha, pescada e outras espécies, são secas em pedras ou esteiras de palha sobre a terra, ou em tablados provisórios, expostos ao sol e ao vento. Os peixes são eviscerados e cortados ao meio. A secagem depende grandemente do clima. No interior isso não pode ser feito durante a estação chuvosa e, portanto, é provavelmente mais comum próximo às costas de clima seco, onde também há mais sol. A defumação não é realizada.

A produção de piracuí, uma farinha de peixe para consumo humano que ainda era feita na área de Santarém (com emprego de técnicas artesanais, durante a primeira missão do consultor na área do Amazonas), não pode mais ser localizada.

2.2.5 - Processamento moderno

Os peixes de água doce são menos utilizados pela indústria moderna do que os marinhos. Contudo, as indústrias de congelados têm realizado progresso considerável nos últimos 15 anos também nesse setor. O acondicionamento em gelo, do local de captura até o mercado, é comum.

As caixas de gelo são, em sua maioria, boas, mas também têm pouco isolamento ou drenagem insuficiente. Observou-se escassez de gelo em Manaus e Santarém, causada, evidentemente, pelas vendas para outras finalidades e também em algumas colônias maiores de pescadores, onde ainda não há fábrica de gelo, porém seria viável sua produção. Maior capacidade de produção de gelo aceleraria o desenvolvimento da pesca em todas as águas interiores do Brasil.

O congelamento profundo e a armazenagem de pescado congelado vão, pouco a pouco, invadindo a economia da pesca interior, onde há capacidade de desembarque. A armazenagem do pescado inteiro, congelado e sem embalagem, pode ser melhorada pelo glaciamento, para redução das perdas por desidratação. O equipamento de congelamento é moderno, bem manuseado e conservado.

2.3 - Ciência da Pesca Interior

O interesse público pela ciência da pesca interior vem crescendo em todo o mundo, tendo-se reconhecido o fato de que os recursos marinhos já foram explorados até a capacidade máxima. No que diz respeito aos grandes e diversificados recursos pesqueiros das águas interiores do Brasil, a necessidade de criar-se uma infraestrutura de pesquisa adequada é, também, reconhecida por este país.

2.3.1 - Instalações de pesquisa existentes no Brasil

As instalações de pesquisa existentes no Brasil foram criadas com a finalidade de atender a ambos os setores: pesca e aquacultura.

A única instituição federal de pesquisa de pesca interior do Brasil, a “Estação Experimental de Biologia e Piscicultura” de Pirassununga, São Paulo, agora sob jurisdição da SUDEPE, foi inaugurada em 1939. Está situada perto de pequena barragem hidroelétrica, com escadas para peixe, na Cachoeira das Emas, no rio Mogi Guassu, afluente terciário do rio Uruguai. O Instituto dispóe de um laboratório para quatro cientistas, uma coleção ictiológica completa (e de propriedade privada) de espécies existentes no sistema fluvial, uma biblioteca e um conjunto de 75 viveiros e tanques ao ar livre. Embora não seja dos mais modernos, o equipamento do laboratório é adequado. A biblioteca precisaria ser completada com literatura publicada nos últimos 15 a 20 anos. Contando apenas com um pesquisador de tempo integral, que é, simultaneamente, diretor administrativo e de operações e outro, que trabalha em tempo parcial, o instituto está mal provido de pessoal e só com dificuldade pode realizar as tarefas mais necessárias. Também no nível não acadêmico a equipe apresenta sérias deficiências.

Além dessa instituição a SUDEPE dispõe de 8 postos de piscicultura, providos de conjuntos de tanques para pesquisa, experimentação, demonstração e produção de peixes jovens para fins de piscicultura.

  1. O posto da Lagoa dos Quadros (RS) mantém estoque de peixe-rei (Odonthestes bonariensis), porém não realiza experiências.

  2. O posto de piscicultura da Granja do Ipê, perto de Brasília, produz tucunaré (Cichla temensis), Tilápia Rendallii, “Black Bass” (Micropterus salmoides) e apaiari (Astronotus ocellatus) em pequena escala, para o peixamento de viveiros da vizinhança.

  3. Em Uberlândia ( MG ), o posto local mantém estoque de Tilápia Rendallii.

  4. O posto de piscicultura do Km , na área da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro não realiza, no momento, qualquer programa de pesquisa.

  5. Em Bocaina, nas montanhas próximas ao Rio de Janeiro, o posto de piscicultura, dispõe de instalações para criação de trutas, parte das quais foi destruída pela ação da água e por um deslizamento de terreno. Se fossem reparadas, seriam úteis para o peixamento de riachos favoráveis à criação de truta do Parque Nacional, que são frequentados por pescadores esportistas. No momento, não há produção nos viveiros.

  6. Os postos de Itapina (ES).

  7. Machado (MG) e

  8. Delfinópolis ( MG ) não estão funcionando. Experiências de piscicultura, cientificamente fundamentadas, poderiam ser realizadas em todos esses postos, após serem submetidos a pequeno trabalho de remodelação.

O DNOCS (Departamento Nacional de Obras Contra as Secas), em Fortaleza, é um órgão autônomo, que atua nos estados secos do Nordeste, destinado a melhorar as condições de suprimento de água. Possui uma Divisão de Piscicultura, dotada de excelentes laboratórios e sistemas de tanques experimentais, que servem exclusivamente à introdução e manutenção de estoques de peixes nos grandes (em números de 104, até agora) açudes de propriedade do Governo e em vários milhares de outros açudes menores, pertencentes a particulares, para pesquisa de piscicultura e experiência e introdução da aquacultura na zona seca. Está sendo construído novo sistema experimental de tanques. Vêm sendo realizadas experiências de aclimatação de peixes brasileiros não nativos da área e de melhoria das técnicas de criação da tilápia. Essa iniciativa é independente dos programas da SUDEPE. O número de pessoal de pesquisa já não é suficiente para realização de amplos estudos limnológicos dos estoques de peixes nas numerosas águas e para experiências de piscicultura em grande escala.

As companhias de energia elétrica foram obrigadas por lei a criar, ao lado de suas barragens, laboratórios de pesquisa pesqueira, dotados de sistemas de tanques, para estudar os reservatórios e os peixes neles existentes, com o propósito de utilizar águas importantes para a produção de peixes. Esses laboratórios de pesquisa já existem nos reservatórios “Paulo Afonso”, no rio São Francisco, “Jupia”, no rio Paraná, “Limoeiro” no rio Pardo, Estado de São Paulo, “Barra Bonita” no rio Tietê e “Salto Grande” no rio Paranapanema. Três outros estão sendo construídos. Ao término do atual programa preliminar de energia elétrica, o Brasil contará com 14 estações desse tipo. O programa de estabelecimento de instalações de pesquisa pesqueira nos reservatórios hidroelétricos não está coordenado com o programa de criação de instituições de pesquisa para o desenvolvimento de pesca interior implantado pela SUDEPE. Os sistemas de tanques não são, normalmente, necessários à pesquisa em lagos. A CESP (Centrais Elétricas de São Paulo), que supre de energia a maior parte do sul do Brasil, contratou três biólogos, especializados em águas interiores, para trabalhar em suas estações (a primeira estação citada não está sob controle dessa companhia). Considerando-se o tamanho dessas águas, seriam necessários 4 a 6 pesquisadores para cada laboratório.

O Instituto de Pesca da Universidade de São Paulo, localizado em Santos, conta com 4 cientistas que trabalham na divisão de águas interiores, nas instalações que o instituto possui na cidade de São Paulo, onde há excelentes laboratórios remodelados, bem como aquários. Mais um laboratório moderno está sendo construído em Pirassununga, próximo à estação da SUDEPE. No entanto, ainda não se tentou coordenar os programas de pesquisa dessas duas instituições. Ambas deverão trabalhar com os mesmos estoques de peixe cercados pelas barragens. Contando com quatro biólogos especializados em água doce, o Instituto de São Paulo também sofre a falta de pessoal.

Todas as instituições de pesquisa têm grande dificuldade em obter pessoal que possa dar continuidade à pesquisa de água doce e à biologia pesqueira. Poucos professores universitários dedicam-se à ciência de água doce e à biologia de pesca interior.

Pode concluir-se que a pesca interior e a pesquisa de piscicultura no Brasil foi, no passado, menos limitada pela ausência de instituições de pesquisa do que pe la falta de pessoal de pesquisa e de pessoal científico, especializado nessas disciplinas, para dar continuidade ao trabalho.

2.3.2 - Novas atividades: as novas instituições de pesquisa e desenvolvimento pesqueiro da SUDEPE.

A nova economia de pesca interior, que se desenvolveu como resultado da estratégia rodoviária brasileira, orientada no sentido de tornar acessível o interior do país, tem estrutura diferente e diferentes pontos de concentração, de modo que as instituições de pesquisa existentes já não são mais suficientes para auxiliar o desenvolvimento da pesca interior no país, mesmo que fossem ampliadas e reforçadas. Em conseqüência, a SUDEPE está implantando um plano para o estabelecimento de seis novas instituições de pesquisa e desenvolvimento pesqueiro nos centros de pesca recentemente inaugurados, a saber: 2 na área do Amazonas, em Manaus e Belém; l no Pantanal de Mato Grosso, l em Bananal (grande plano de inundação no rio Araguaia), l em Três Marias, no alto São Francisco e l em Pelotas, Rio Grande do Sul. O instituto localizado em Manaus atenderá ao desenvolvimento da pesca no sistema fluvial Amazônico dentro do Estado do Amazonas e o instituto de Belém servirá ao Estado do Pará, onde predomina a pesca em águas salinas. Para cobrir o trecho do Amazonas, da fronteira oeste até a foz, o instituto logo necessitará de um posto avançado no próprio rio, que estaria melhor situado em Santarém. A finalidade do Instituto do Pantanal explica-sepor simesma. Poder-se-ia argumentar quanto à necessidade de um instituto na Ilha do Bananal, num afluente secundário do rio Amazonas, pois ficaria situado dentro do sistema fluvial a ser investigado pelo instituto de Belém. No entanto, o instituto poderia ser útil para estudar os problemas específicos dos recursos fluviais fora da Bacia Amazônica (além da borda do escudo cristalino) acima das cachoeiras, particularmente os que dizem respeito ás migrações de peixes e estoques subexplorados e que já ultrapassaram a idade. O instituto Três Marias tratará especificamente dos problemas relacionados comos lagos artificiais. O instituto de Pelotas acha-se melhor situado paratrabalho de pesquisa nas grandes lagoas de águas salinas do sul do Brasil, e serviria para o desenvolvimento da piscicultura com o peixe-rei (Odonthestes bonariensis).

Como essas instituições de pesquisa deverão iniciar suas atividades dentro em breve e, uma vez que a SUDEPE ainda não dispõe de instalações, elas deverão ser associadas (do ponto de vista de acomodação) com universidades ou com outras instituições de pesquisa, onde já existiam ou possam ser criadas facilidades de laboratório e bibliotecas. A SUDEPE já entrou em acordo com as instituições em questão. Todavia, no que se refere ao Instituto da Ilha do Bananal, não existe essa oportunidade.

Os problemas de pessoal são, naturalmente, os mesmos das instituições já existentes e representam o mais sério obstáculo. Para cada um dos dois primeiros institutos, Manaus e Belém, foi selecionado, dentre outros voluntários, um grupo de seis acadèmicos, formados em outras disciplinas com base de ciências naturais semelhante (por exemplo, agronomia e medicina veterinária). Esses jovens já trabalham na profissão. Receberam instruções e treinamento sobre biologia de pesca interior, ministrados pela equipe de pesquisa do DNOCS, durante um período de dois meses. Alguns cientistas da SUDEPE e também o consultor trabalharam com o grupo durante as primeiras semanas. Outros cientistas serão designados para Belém, a fim de dar orientação ao grupo. Em Manaus, o grupo ocupa, temporariamente, os laboratórios de pesquisadores convidados, no INPA (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), que também estão dispostos a ajudar. Primeiramente, os jovens pesquisadores terão que fazer um levantamento dos recursos existentes, determinando, medindo e pesando peixes de capturas comerciais, recolhendo amostras limnológicas e dados sobre as áreas de pesca dos pescadores profissionais. Tudo isso deverá ser expandido para outras áreas, quando os institutos tiverem adquirido embarcações e petrechos e dispuserem de uma tripulação de pescadores. Presume-se que as tendências á especialização logo se tornarão evidentes, de acordo com a inclinação e capacidade. Os dois primeiros anos deverão ser considerados como períodos de estágio. Naturalmente, reconhece-se a imperfeição desse sistema para a rápida formação de pesquisadores mas, na atual situação, parece ser a úmica maneira viável.

2.3.3 - Os objetivos da pesquisa e a pesca

Uma crítica que se fazia no passado era de que, em muitas instituições de pesquisa e desenvolvimento pesqueiro ( não apenas no Brasil), o trabalho era um tanto “acadêmico”, que essas instituições tinham pouco contato com a pesca na prática e que seu impacto sobre o desenvolvimento pesqueiro nem sempre era visível. No caso do Brasil, pode se deixar em aberto se essa crítica foi justificada. Os novos institutos de pesquisa e desenvolvimento da pesca interior, da SUDEPE, foram criados com o objetivo de preparar a base científica para medidas de administração de estoques pesqueiros, acompanhar-lhes o desenvolvimento no futuro, auxiliar com parecer cientificamente fundamentado as medidas de desenvolvimento pesqueiro tomadas pelas autoridades e ajudar, com os meios de que dispõem, a solucionar os problemas da pesca, onde quer que ocorram.

A fim de assegurar que as instituições de pesquisa sejam informadas dos problemas práticos da pesca, que seja estabelecida colaboração entre a parte prática da pesca e a ciência para a solução desses problemas, que a ciência obtenha o apoio da prática na execução de seu programa regular de levantamento de estoques pesqueiros e de pesca, que os pescadores compreendam o papel da ciência no desenvolvimento da pesca, bem como as medidas tomadas pelo Governo, para o melhoramento dos estoques pesqueiros e da pesca, ainda que por meio de restrições; e ainda, para que o setor prático da pesca torne-se consciente da importância da ciência, poderia ser considerado útil estabelecer, para cada instituto, um quadro consultivo (conselho). Esse conselho incluiria representantes da administração, ciência, pesca (por exemplo, presidentes das colônias de pesca, cooperativas ou companhias), indústrias de comercialização e processamento de pescado.

Parece recomendável efetuar uma revisão dos programas de pesquisa das instituições de pesquisa e desenvolvimento pesqueiro, bem como das companhias hidroelétricas e de lagos para irrigação, procedendo-se eventualmente à reorientação desses programas para as necessidades imediatas do desenvolvimento da pesca.

2.4 - Legislação Pesqueira

Para o desenvolvimento coordenado da pesca em todo o Brasil, parece ser imperativa uma legislação pesqueira igualmente coordenada e aplicável para todos os Estados e territórios.

No passado, a SUDEPE, através de acordos especiais com as autoridades estaduais, delegou aos Estados os direitos de estabelecimento da legislação pesqueira. No entanto, eles não dispõem de meios para realizar análises de estoques pesqueiros e estudos de dinâmica de reprodução. Assim, são elaborados e postos em vigor regulamentos arbitrários, sem qualquer justificativa do ponto de vista biológico. Podem mesmo ser contrários à regulamentação dos Estados vizinhos, até daqueles que pescam em águas comuns ou ainda opostos à política pesqueira global da SUDEPE, sendo mesmo desastrosos para os estoques pesqueiros, para grupos sociais e para a economia da alimentação. Isso aplica-se a muitas proibições arbitrárias de certos petrechos, regulamentos sobre tamanho de petrechos e de malhas, determinação do menor tamanho comercializável, épocas e áreas interditadas. A maior parte dos regulamentos de pesca são elaborados no interesse da conservação dos estoques, porém não levam em consideração o efeito, muitas vezes estimulante dessas medidas sobre os estoques não utilizáveis, as implicações sociais e econômicas e as conseqüências sobre o desenvolvimento pesqueiro. Pode acontecer também que o direito de estabelecer regulamentação pesqueira local seja mal empregado, sob o pretexto da conservação da fauna, para estabelecer privilégios para certos grupos populacionais.

Uma análise detalhada da regulamentação existente ultrapassaria, em muito, o âmbito do presente relatório. Pode mencionar-se apenas algumas das falhas mais sérias, a título de exemplo:

Em Goiás (Portaria 229), proibe-se a pesca profissional nos grandes planos de inundação (várzeas) do Bananal (13.000 km2) e em todos os lagos temporários e perenes, além dos rios que margeiam a região. Os pescadores profissionais, cuja vida depende da pesca, são privados de renda. Todos os petrechos de pesca (profissionais) foram confiscados pela polícia e pelo exército. A pesca com linha de mão é permitida aos membros do Clube de Caça e Pesca, pescadores desportistas, convidados do Clube e por ele licenciados e, para fins de subsistência, aos poucos índios não civilizados. Isso resulta num estoque de grandes predadores, já demasiado velhos. Esses gigantes consomem grande quantidade de outros peixes anualmente, mesmo os de tamanho maior que o comercializável, bem como jovens de sua própria espécie. A produção natural dos rios é usada quase que inteiramente na manutenção desses peixes velhos e pouco utilizados, em vez de se destinar à criação contínua de novo alimento para consumo humano.

A pesca com redes de cerco, o petrecho menos seletivo, e com espinhéis e armadilhas, é proibida nos Estados de Mato Grosso (onde está situado o Pantanal), Goiás e Minas Gerais. A pesca com redes de emalhar é restrita às redes com tamanho de malha de 25 cm de malha esticada (Portaria 617). Assim, resta apenas para o pescador artesanal, que vive inteiramente do produto dessa atividade, a pesca em escala muito pequena, não muito maior do que para subsistência. O desenvolvimento da profissão e, conseqüentemente, o desenvolvimento da pesca como economia, é seriamente prejudicado (a SUDEPE impediu entrasse em vigor uma Portaria que proibia inteiramente a pesca no Estado do Amazonas que, sozinho, ocupa metade da Bacia Amazônica).

A Portaria 439, do DNOCS, proibe a pesca durante as migrações de peixe (piracema) “desde que seja constatado pelo DNOCS que pelo menos 75% dos peixes tenham desovado”. É duvidoso que essa resolução possa ser posta em prática. Além disso, não faz diferença capturar o peixe adulto antes ou durante a desova. Se for necessário reduzir o estoque devido à superpopulação, basta capturar apenas os peixes que estão desovando. Embora o departamento reconheça que não é possível realizar, com a pequena equipe de que dispõe, o levantamento e supervisão anual dos 104 açudes públicos sob seu controle, reserva-se o direito de emitir licenças anuais e de determinar o petrecho e número de operações de pesca por semana para cada pescador, individualmente. Isso mantém a população de pescadores num nível de pescadores “ocasionais” ou de tempo parcial e impede a formação de profissionais habilitados. Além disso, a Portaria foi aplicada aos vários milhares de açudes particulares, pertencentes a proprietários de terras, embora possa ser discutida a exequibilidade jurídica dessa medida. Assim, os proprietários não podem administrar seus estoques pesqueiros segundo suas próprias decisões. A iniciativa privada, que é normalmente o estímulo mais importante para o desenvolvimento pesqueiro, é seriamente limitada. As águas onde se realiza a piscicultura (águas lênticas) devem ser isentas da legislação aplicável à pesca. Nesta, o peixe só se torna propriedade do pescador após ter sido capturado e se encontrar fora d'água. Na piscicultura o peixe, que é colocado dentro d'água para ser criado, continua sendo propriedade do piscicultor. Essa propriedade deve ser protegida pelo legislador.

Não se discute que, num país tão grande e multiforme como o Brasil, haja sempre muitas áreas e águas que exigem regulamentação especial, no que diz respeito à administração e desenvolvimento dos estoques pesqueiros, estrutura social, situação econômica e/ou outros. Porém, essa regulamentação deve basearse em fatos biológicos bem fundamentados e outras investigações pertinentes, deve estar coordenada com a legislação geral da pesca interior, ajustada à legislação das áreas vizinhas e não apresentar oposição à política geral de desenvolvimento pesqueiro da SUDEPE.

Parece urgente uma revisão da legislação da pesca interior para todo o país, incluindo todos os regulamentos estaduais para áreas geograficamente delimitadas. Inicialmente, as novas instituições de pesquisa poderão chamar a si esse trabalho.

2.5 A administração da pesca interior

Considerando-se sua importância dentro da economia, a pesca interior ainda é insuficientemente representada na administração. Apenas dois biólogos de pesca, formados, trabalham nesse setor, na sede da SUDEPE, no Rio de Janeiro. Isso é muito pouco para os enormes recursos de uma vasta área geográfica. Além disso, a SUDEPE tem Delegados na maioria dos grandes Estados, com importantes atividades de pesca. Se o Estado tem costa marítima, o Delegado tem que tratar de ambos os setores e, tradicionalmente, dá-se maior ênfase à pesca marítima. Ele precisa residir na área onde serve. Devido à escassez de pessoal de pesca, a maior parte dos Delegados não está especificamente treinada para a profissão e, ainda assim, precisa assumir a responsabilidade da administração dos recursos e das decisões econômicas. A SUDEPE ainda não dispõe de serviços no campo para a aplicação da regulamentação da pesca interior e para a coleta de estatísticas. A ausência destas é considerada uma das mais sérias falhas do atual programa de pesca interior.

Uma das maiores preocupações da SUDEPE deveria ser o aumento da mão-deobra dos serviços pesqueiros em todos os níveis, porque isso é um pré-requisito para qualquer desenvolvimento. Deve se reconhecer que a pesca interior é, pela natureza de seus recursos, mais diversificada e mais dispersa por todo o país, do que as pescas marítimas, que se acham mais concentradas em portos específicos ao longo da costa.


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