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3. ASPECTOS DA QUALIDADE ASSOCIADOS AO PESCADO

Neste capítulo são discutidos apenas os aspectos da qualidade relacionados com a segurança e com a deterioração do. Os vários agentes responsáveris pelas doenças que têm sido associados ao consumo de pescaso são enumerados bem como algumas características relevantes para a availação dos perigos e riscos relacionados com a sua presença no peixe e nos produtos derivados do pescado. Os processos que conduzem à deterioração e as opções de controlo dos agentes das doençados bem como os processos de deterioração sã também esboçados resumidamente.

3.1. BACTÉRIAS PATOGÉNICAS

As bactérias patogénicas presentes no pescado podem se divididas em dois grupos como se apresenta no Quadro 3.1.

Quadro 3.1. Bactérias patogénicas presentes no pescado.

  Modo de actuaçãoEstabilidade témica da toxinaDose infecciosa
mínima
InfecçãoToxina préformada
Bactérias indígenas (Grupo 1) Clostridium botulinum +baixa-
Vibrio sp.+  alta
V. cholerae   -
V. parahaemolyticus    (>106/g)
outros vibrios1)   -
Aeromonas hydrophila+  Não conhecida
Plesiomonas shigelloides+  Não conhecida
Listeria monocytogenes+  Não conhecida/ Variável
Bactérias não indígenas (Grupo 2) Salmonella sp.+   desde<102
    até>106
Shigella+  101-102
E. coli+  101-103 2)
Staphylococcus aureus +alta-

1) Outros vibrios são: V. vulnificus, V. hollisae, V. furnsii, V. mimicus, V. fluvialis.
2) Para a estirpe 0157:H7 produtora de verotoxina.

3.1.1. Bactérias indígenas (Grupo 1)

As bactérias pertencentes ao grupo 1 são frequentes e encontram-se amplamente distribuídas nos ambientes aquáticos de várias partes do mundo. A temperatura da água tem, naturalmente, um efeito selectivo. Assim, os organismos mais psicrotróficos (C. botulinum e Listeria) são frequentes no Árctico e nos climas mais frios enquanto que os tipos mais mesofílicos (V. cholerae, V. parahaemolyticus) representam parte da flora natural do peixe de ambientes costeiros e stuarinos de zonas temperadas ou tropicais quentes.

Contudo, deve ser realçado que todos os géneros de bactérias patogénicas mencionados atrás contêm estirpes ambientais não patogénicas. Para alguns organismos é possível estabelecer correlaçõ entre certas características e a patogenia (por exemplo, o teste de Kanagawa para o V. parahaemolyticus) enquanto que para outros (por exemplo, Aeromonas sp.) nã há eétodos conhecidos disponíveis.

Embora seja verdade que todo o peixe produtos derivados que nã tenham sido submetidos a processamento bactericida, possam estar contaminados com um ou mais destes agentes patogénicos, o nível de contaminação é, normalmente, bastante baixo e é, improvável que os números naturalmente presentes no pescado, não cozinhado, sejam suficientes para causar doenças. Constituem excepções os casos em que os patogénicos estão concentrados devido a filtração (moluscos bivalves). Por outro lado, níveis altos de bactérias do grupo 1 podem ser encontrados nos productos derivados do pescado como resultado de proliferação. Esta situação constitui um perigo sério, com um elevado risco para causar doenças. O desenvolvimento (e possível produção de toxina) deve, por conseguinte, ser impedido. Algumas das exigèncias para a proliferação dos organismos do grupo 1, encontram-se no Quadro 3.2. Algumas das características essenciais respeitantes a cada um dos organismos especificados são discutidas a seguir.

Clostridium botulinum

O C. botulinum encontra-se largamente distribuído no solo, nos sedimentos aquáticos e no peixe (Huss, 1980; Huss e Pedersen, 1979) como se mostra na Figura 3.1.

O botulismo humano é uma doença séria, mas relativamente rara. A doença é uma intoxicação causada por uma toxina pré-formada no alimento. Os sintomas podem incluir náuseas e vómitos seguidos por um certo número de sinais e sintomas neurológicos: diminuiçã da visã o (visão dupla ou toldada), perda das funções normais da boca e garganta, fraqueza ou paralisia total e falha repiratória que é, usualmente, a causa da morte.

Epidemiologia e avaliação do risco

O exame de 165 surtos de botulismo causados por produtos da pesca mostrou que os produtos conservados ligeiramente (fumados, fermentados) representaram, em grande parte, o grupo mais perigoso como se apresenta no Quadro 3.3.

Quadro 3.2. Factores limitantes do desenvolvimento e resistência ao calor de bactérias patogénicas que ocorrem normalmente no pescado (Grupo 1 - Bactérias indígenas). Dados adaptados de Doyle (1989), Buckle (1989), Farber (1986) e Varnam e Evans (1991).

 Temperatura(°C)pHawNaCl
(%)
 Resistência ao calor
Bactéria patogénicamínimo óptimo mínimomínimomáximo 
C. botulinum      
tipo proteolítico A, B, F10ca. 354,0 – 4,60,9410D121 dos esporos = 0,1–0,25 min
tipo não proteolítico B, E, F3,3ca. 305,00,973 – 5D82,2=15–2,0 min no meio de cultura
D80=4,5–10,5 min nos produtos com alto teor em proteína e gordura6)
Vibrio sp.5–8375,0  D71=0,3 min1)
V. cholerae5376,00,97<8D55=0,24 min2)
V. parahaemolyticus5374,80,938 – 1060°C durante 5 min provocou uma diminuição de 7 log10 de V. parahaemolyticus
V. vulnificus8375,00,945 
Aeromonas sp.0 – 420–354,0 4–5D55=0,17 min5)
Plesiomonas sp.8374,0 4 – 560°C/30 não há sobrevivência7)
Listeria monocytogenes130–375,00,924)10D60=2,4 16,7 min em produtos cárneos3)
D60=1,95–4,48 min no peixe (Fig.3.3)

1) Shultz et al. (1984)
2) Delmore e Crisley (1979).
3) Farber e Peterkin (1991).
4) Nolan et al. (1992).
5) Condon et al. (1992).
6) Conner et al. (1989)
7) Miller e Koburger (1986).


Quadro 3.3. Tipo de produtos da pesca responsáveis por botulismo. Os dados deste Quadro são da autoria de Huss (1981) e representam surtos de botulismo no Canadá, Japão, Estados Unidos, URSS e Escandinávia durante cerca de 25 anos (período de 1950–1980).

Produto da pescaProcesso usadoN.° de surtos
Conservado ligeiramentefumagem10
 fermentação113
Semi-conservassalga9
 marinagem8
Conservasenlatamento5
Desconhecido 20
Total 165

Pelo contrário, deve-se notar que nunca se verificou que o peixe fresco e congelado tivesse causado botulismo no Homem. Isto é devido, provavelmente, ao facto do peixe fresco se deteriorar normalmente antes de se tornar tóxico. A derradeira salvaguarda reside no facto da toxina do botulismo apresentar uma estabilidade muito baixa ao calor (Huss, 1981; Hauschild, 1989) o que significa que o cozedura doméstica habitual destroi qualquer toxina pré-formada formada. Assim, o risco está claramente associado aos alimentos que aão requerem cozedura imediatamente antes de serem consumidos

Controlo da doença

O botulismo pode ser prevenido por inactivação dos esporos das bactérias nos produtos enlatados, esterilizados pelo calo ou inibindo a proliferação em todos os outros tipos de produtos alimentares. O C. botulinum é classificado, de acordo com o tipo de toxina, de A a G e os tipos patogénicos para o Homem podem ser, convenientemente, divididos em dois grupos:

  1. Os tipos proteolíticos A e B que são também resistentes ao calor, mesofilicos e tolerantes ao NaCl.

  2. Os tipos não proteolíticos E, B e F que são sensíveis ao calor, psicrotróficos e sensíveis ao NaCl. São principalmente os tipos não proteolíticos que se encontram no peixe e nos produtos derivados do pescado.

Os processos de esterilizaçã foram concebidos para destruir um grande número de tipos de C. botulinum termoresistentes. Assim, a cozedura para eliminar o risco do botulismo tem sido definida como o equivalente a 3 min a 121°C. Este valor é também designado pro valor F0 ou por“valor de esterilidade comercial”. O valor f0 exigido para conservas de peixe é equivalente a 12 reduções decimais do número de esporos do Clostridium botulinum. Utilizando os valores mais altos de D conhecidos (0,25 min a 121°C), o F0 é, portanto, igual a 12×0,25 = 3. Este é o conhecido conceito de 12 D utilizado para reduzir a carga bacteriana de um bilião de esporos em cada uma das latas de um lote de 1000 para um esporo em cada milhar de latas.

Figura 3.1

Figura 3.1. Incidência (%) de C. botulinum no peixe. As letras A-F indicam a presença de C. botulinum dos tipos A a F, Para as referências aos diferentes inquéritos ver Huss (1980).

Pelo contrário, o valor D para o grupo de bactérias não proteolíticas é muito mais baixo. Com base nos dados apresentados por Angelotti (1970), um processo té rmico húmido a 82,2°C durante 30 min destroi aproximadamente 107 esporos. A pasteurizaçã comercial (produtos cozinhados a vazio, fumagem a quente) pode, por conseguinte, não ser suficiente para eliminar todos os esporos e a seguranç a destes produtos deve ser baseada num controlo completo da proliferação e da produção de toxinas.

Algumas das mais importantes limitações para a proliferação de C. botulinum, encontram-se no Quadro 3.2. Embora se indique que as estirpes não proteolí ticas podem proliferar num meio contendo até 5% de NaCl, isto apenas acontece em condições óptimas. Nos produtos da pesca armazenados a temperatura baixa (10°C), 3% de NaCl na fase aquosa é suficiente para inibir a proliferação das bactérias do tipo E durante pelo menos 30 dias (Cann e Taylor, 1979). No Quadro 3.4 resumem-se os aspectos de segurança mais importantes para vários tipos de produtos derivados do pescado.

Vibrio sp.

A maior parte dos vibrios são de origem marinha e necessitam de Na+ para se desenvolverem. O género inclui um certo número de espécies que são patogénicas para o Homem como se apresenta no Quadro 3.1. O V. cholerae apresenta dois serotipos, o 01 e o não-01 e o serotipo 01 apresenta duas biovariedades: a clássica e a El Tor. A biovariedade clássica, serovariedade 01, está, actualmente, restringida a algumas partes da Ásia (Bangladesh) e a maior parte da cólera é causada pela biovariedade El Tor. As espécies patogénicas são principalmente mesófilas, isto é, ocorrem, em geral, em águas tropicais e em número mais elevado em águas temperadas nos finais do Verão ou princípios do Outono.

As doenças associadas aos Vibrio sp. são caracterizadas por sintomas de gastrenterite e vão desde uma diarreia moderada até à cólera clássica, com muita diarreia líquida. As infecções por V. vulnificus, caracterizadas, principalmente, por septicémias, constituem uma excepção.

Os mecanismos de patogenia dos vibrios não estão completamente esclarecidos. A maior parte dos vibrios produz poderosas enterotoxinas e uma dose tão baixa como 5μg de toxina da cólera (TC) administrada por via oral provocou diarreia em pacientes voluntários (Varnam e Evans, 1991). O V. cholerae produz um certo número de outras toxinas, incluindo a hemolisina, uma toxina semelhante à tetrodotoxina e uma outra idêntica à shiga-toxina. As estirpes patogénicas de V. parahaemolyticus são conhecidas por produzirem uma hemolisina directa termo-estável (Vp-TDH) responsável pela reacção de Kanagawa, mas está actualmente documentado que também os V. parahaemolyticus negativos à reacção de Kanagawa podem produzir a doença (Varman e Evans, 1991).

Os Vibrio sp. designados como patogénicos nem sempre o são. À maioria das estirpes ambientais falta os factores de colonização necessários para a aderência e penetraão, toxinas apropriadas ou outros determinantes da virulência necessários para causar a doença.

Quadro 3.4. Propriedades botulinogénicas do pescado (de acordo com Huss, 1981).

PescadoFactores que aumentam o perigo de botulismoFactores que reduzem o perigo de botulismoSegurança dos produtos baseada em:Classificaçã
Fresco e congeladoEmbalagem a vácuoArmazenagem tradicional em refrigerado
Putrefacção antes da toxina ser produzida
Cozinhar antes de consumirNão há risco
PasteurizadoPeríodo de armazenagem prolongado
Toxina produzida antes da putrefacção Embalagem a vácuo Higiene deficiente
Amazenagem em refrigerado (<3°C)
Eliminação da flora aeróbicça sinergística
Cozinhar antes de ser consumido
Armazenagem em refrigerado
Não há risco se for cozinhado
Alto risco se não for cozinhado
Fumado a frioComo no anterior Não cozinhado antes de ser consumido
Não existe tradiço de armazenagem a frio
Armazenagem em refrigerado Salga (concentração de NaCl <3%)
Potencial redox elevado em produtos não deteriorados
Armazenagem em refrigerado Controlo do processamento (Material cru, salga quando aplicável)Alto risco
FermentadoA fermentação pode ser lenta Temperatura alta durante a fermentação Não cozinhado antes de ser consumidoSalga (concentração de NaCl <3% na salmoura) Armazenagem em refrigerado, pH baixoControlo do processamento Armazenagem em refrigeradoAlto risco
Semi-conservadoNão cozinhado antes de ser consumidoAplicação de sal, ácido, etc.
Armazenagem em refrigerado
Controlo do processoBaixo risco
ConservasNão cozinhado antes de ser consumido
Embalado em latas fechadas
AutoclavagemControlo do processo (Autoclavagem, cravação)Baixo risco

Recentemente foi demonstrado que os vibrios são capazes de responder a condições ambientais adversas, entrando numa fase viável, mas não “cultivável” (Colwell 1986). Quando as bactérias são expostas a condiçõesadversas de salinidade, temperatura ou privação de nutrientes podem ser danificadas reversivelmente e já não podem ser detectadas pelos métodos bacteriológicos padrão. Contudo, quando lhes são proporcionadas as condições óptimas para a sua proliferação, podem voltar ao estado “cultivável” normal.

Uma ímplicação óbvia deste fenómeno reside dos exames de rotina de amostras recolhidas no meio ambiente, contendo estes agentes patogénicos, poderem ser negativos, embora estejam, efectivamente, presentes bactérias virulentas.

Epidemiologia avaliação do risco

Historicamente, a cólera é uma doença dos pobres e dos sub-nutridos, mas, até certo ponto, isso é devido a baixos níveis de higiene. No caso da cólera, a água e a sua contaminação fecal são de grande importância para a propagação desta doença, embora os alimentos venham a adquirir uma importância crescente.

Uma grande variedade de alimentos tem estado envolvida na transmissão da cólera, incluindo refrigerantes, fruta e vegetais, leite, cerveja produzida localmente, assim como milho miúdo e aveia (Varnam e Evans, 1991). Contudo, marisco cru não cozido ou contaminado após cozedura têm sido considerados como os principais veículos do V. cholerae 01 e do não 01 (Morris e Black 1985). Os surtos de V. parahaemolyticus têm sido, frequentemente, associados a contaminações cruzadas ou a abusos de tempo/temperatura de pescado cozinhado. O Japão é uma excepção dado que o peixe cru é o principal veículo de infecção pelo V. parahaemolyticus. Em relação aos outros vibrios, o consumo de marisco cru, em especial ostras, é a principal causa de infecção.

Um aspecto importante é a impressionante taxa de proliferação dos vibrios no peixe cru, mesmo a baixas temperaturas. Isto permite que os vibrios, mesmo quando inicialmente pouco numerosos, aumentem drasticamente sob condições impróprias de apanha, processamento, distribuição e armazenamento.

Controlo da doença

Condições sanitárias inadequadas e a falta de água potável são as principais causas de epidemias de cólera. Portanto, esta doença só pode ser convenientemente prevenida se se assegurar que todas as populações têm acesso a sistemas de esgotos adequados e a água potável. Após o recente surto de cólera na América Central e do Sul, a WHO (1992) publicou as seguintes recomendações sobre o abastecimento de água e as instalações sanitárias no que diz respeito à prevenção e controlo da cólera:

Abastecimento de água - recomendações da WHO:

  1. A àgua potável deve ser convenientemente desinfectada; devem ser melhorados os procedimentos para a desinfecção nos sistemas de distribuição e nos sistemas de água rural.

  2. Comprimidos que libertem cloro ou iodo podem ser distribuídos pela população com as respectivas instruções para o seu uso.

  3. Quando o tratamento químico da água não é possível, os responsáveis pela saúde devem advertir que a água para consumo (bem como para a lavagem das mãos e dos utensílios) deve ser fervida antes de se utilizar.

  4. O controlo da qualidade da água deve ser reforçado, intensificando a vigilância e o controlo do cloro residual bem como aumentando o número dos testes bacteriológicos, em diferentes pontos dos sistemas de produção e distribuição.

Instalações sanitárias - recomendações da WHO:

  1. O controlo de qualidade nas instalações de tratamento de esgotos deve ser reforçado.

  2. O uso de águas tratadas para a irrigação deve ser controlado cuidadosamente, seguindo as instruções nacionais e internacionais.

  3. O tratamento das águas residuais com produtos químicos, em grande escala, só se justifica raramente, mesmo em casos de emergência, devido ao seu custo elevado, efeito duvidoso e ao seu possível impacte adverso no ambiente e na saúde.

  4. A educação sanitária deve salientar a necessidade de uma eliminação segura das fezes humanas:

Os vibrios são facilmente destruídos pelo calor. Assim, uma cozedura apropriada é suficiente para eliminar a maior parte dos vibrios. Contudo, Blake et al. (1980) verificaram que o V. cholerae 01, presente em caranguejos contaminados naturalmente, sobrevive à fervura até 8 minutos e até 25 minutos quando aquecido a vapor. Assim, a prática comercial de utilização de choque térmico das ostras em água a ferver para facilitar a abertura não é suficiente para garantir a segurança.

A temperaturas apropriadas, o desenvolvimento dos vibrios pode ser muito rápido. Em condições óptimas para a sua proliferação (37°C), têm sido observados tempos de geração tão curtos como 8–9 minutos. A temperaturas mais baixas, as taxas de proliferação são reduzidas, mas foi referido por Bradshaw et al. (1984) que concentrações iniciais de V. parahaemolyticus da ordem de 102 ufc1/g, em camarão homogeneizado, aumentavam até 108 ufc/g após 24 horas à temperatura de 25°C. Estes resultados demonstram que uma refrigeração apropriada é essencial para controlar essa proliferação excessiva.

1 ufc - unidades formadoras de colónias

A armazenagem a baixas temperaturas tem sido proposta como um meio de eliminar os vibrios patogénicos dos alimentos. Contudo, este método não é de total confiança para aplicação comercial. No Quadro 3.5 apresentam-se os tempos de sobrevivência de V. cholerae referidos por Mitscherlich e Marth (1984).

Quadro 3.5. Sobrevivência do V. cholerae. Resultados de Mitscherlich e Marth (1984).

AlimentoTempo de sobrevivência (em dias)
Peixe armazenado a 3–8°C14–25
Gelo armazenado a -20°C8
Camarão congelado180
Vegetais numa câmara húmida, 20°C10
Cenouras10
Couve-flor20
Água de rio210

Aeromonas sp.

O género Aeromonas tem sido classificado na família Vibrionaceae e inclui espécies patogénicas para animais (peixe) e para o Homem. Recentemente, a Aeromonas sp. móvel e, em particular, a A. hydrophila tem recebido, uma atenção crescente como um possível agente causador de diarreia provocada pela ingestão de alimentos. Contudo, o papel das Aeromonas como agente patogénico entérico não está ainda esclarecido.

A presença de Aeromonas está muito generalizada em ambientes de água doce, mas pode ser também isolada de água salgada estuarina (Knøchel, 1989). Este organismo pode ser também facilmente isolado da carne, peixe e produtos derivados, gelados e muitos outros alimentos como foi referido por Knøchel (1989). Na verdade, este organismo tem sido identificado como o principal organismo responsável pela deterioração de carne crua (Dainty et al., 1983), de salmão cru (Gibson, 1992) embalado a vácuo ou em atmosferas modificadas e de peixe proveniente de águas tropicais (Gram et al., 1990; Gorczyca e Pek Poh Len, 1985).

As espécies de Aeromonas produzem um vasto leque de toxinas tais como a enterotoxina citotóxica, hemolisinas e um inibidor do canal do sódio semelhante à tetrodotoxina (Varnam e Evans, 1991). Contudo, o papel destas toxinas como factores responsáveis por doenças no Homem não está elucidado e, de momento, não existe nenhum método para diferenciar as estirpes ambientais não patogénicas das estirpes patogénicas. Assim, não há nenhuma evidência de que as toxinas pré-formadas nos produtos alimentares desempenham qualquer papel e que a associação entre a ingestão de peixe e marisco e as infecções causadas por Aeromonas é, no melhor dos casos, circunstancial (Ahmed, 1991).

Alguns factores que limitam a proliferação de Aeromonas estão indicados no Quadro 3.2. Enquanto a temperatura mínima para o desenvolvimento de estirpes clínicas é cerca de +4°C (Palumbo et al., 1985), nas estirpes ambientais e nas isoladas de géneros alimentares tem-se verificado que se desenvolvem a 0°C (Walker e Stringer, 1987). As Aeromonas são muito sensiveis a condições e ao sal e é muito pouco provável que a sua proliferação constitua um problema em alimentos com um pH inferior a 6,5 e com um teor em NaCl superior a 3,0%.

Plesiomonas sp.

Também o género Plesiomonas é incluído na família das Vibrionaceae. Tal como outros membros desta família, as bactérias do género Plesiomonas estã espalhadas por toda a Natureza, mas encontram-se, principalmente, na água, tanto doce como salgada (Arai et al., 1980). A sua natureza mesofilica (ver Quadro 3.2.) leva a que haja uma varição sazonal muito acentuada no número de microganismos isolados de águas, sendo muito mais elevado nos períodos mais quentes. A transmissão pelos animais e pelos intestinos do peixe é comum e é provável que o peixe e o marisco sejam a fonte primária de Plesiomonas shigelloides (Koburger, 1989).

As Plesiomonas sp. podem causar gastrenterites cujos sintomas variam desde uma pequena indisposição de curta duração até uma grave diarreia (tipo shigella ou cólera). Contudo, é possível que apenas algumas estirpes possuam características virulentas, já que voluntários que ingeriram o organismo nem sempre ficaram doentes (Herrington et al., 1987). Tal como no caso das Aeromonas, não existe, actualmente, nenhuma maneira de diferenciar Plesiomonas sp. patogénicas de não patogénicas.

Os factores que limitam a proliferação apresentados no Quadro 3.2.

Listeria sp.

Hoje em dia, conhecem-se seis espécies de Listeria, mas apenas três espécies, L. monocytogenes, L. ivanovii e L. seeligeri, estão associadas a doenças no Homem e/ou nos animais. Contudo, os casos no Homem, envolvendo L. ivanovii e L. seeligeri, são extremamente raros e apenas se assinalaram quatro ocorrências. A L. monocytogenes está subdividida em 13 serovariedades com base nos antigénios somáticos (O) e. flagelares (H). Esta subdivisão tem um valor limitado em estudos epidemiológicos uma vez que a maior parte das estirpes isoladas pertence a três serotipos. Outros métodos mais válidos são a fagotipificação, tipificação-isoenzimática e caracterização de DNA. Esta última técnica tem dado resultados promissores (Facinelli et al., 1988; Bille et al., 1992; Gerner-Smidt e Nørrung, 1992).

A L. monocytogenes encontra-se em toda a Natureza. Pode ser isolada do solo, vegetação, produtos alimentares, incluindo o peixe e produtos derivados, e cozinhas domésticas tal como foi revisto por Lovett (1989), Ryser e Marth (1991) e Fuchs e Reilly (1992). A maior parte destas estirpes ambientais é, provavelmente, não patogénica.

Outras Listeria sp., para além da L. monocytogenes, parecem ser mais comuns nas áreas tropicais (Fuchs e Reilly, 1992; Karunasagar et al., 1992).

A listeriose é uma infecção que se inicia nos intestinos, mas a dose infecciosa é desconhecida. O período de incubação pode variar entre um dia e várias semanas. As estirpes virulentas sào capazes de se multiplicar nos macrófagos e produzir septicémia seguida por infecção de outros órgàos tais como o sistema nervoso central, o coração, e podem invadir os fetos nas mulheres grávidas. Em adultos saudáveis, a listeriose quase nunca se desenvolve para além da fase entérica primária que pode não apresentar sintomas ou ter apenas sintomas ligeiros do tipo gripe. A listeriose apresenta riscos especiais e pode ser letal para fetos, mulheres grávidas, recém-nascidos e pessoas imuno-deprimidas.

Epidemiologia e avaliação do risco

Os produtos lácteos (leite, queijo, sorvete, natas) têm estado todos implicados em surtos de listeriose. Também as saladas e os vegetais têm estado envolvidos nestes surtos. Há uma crescente concordância em considerar que os alimentos contaminados são um veículo importante de L. monocytogenes. O isolamento frequente desta espécie bacteriana a partir do pescado (Weagant et al., 1989; Rørvik e Yndestad, 1991) e a demonstracão da sua potencial proliferação em salmão fumado conservado em refrigerado (+4°C) (Ben Embarek e Huss, 1992; Guyer e Jemmi, 1991; Rørvik et al., 1991; Fuchs e Reilly, 1992) mostram que o pescado pode ter um papel importante na transmissão de Listeria monocytogenes. Contudo, até agora, houve apenas dois casos documentados de envolvimento de pescado (Facinelli et al., 1989; Frederiksen, 1991) e dois casos em que houve apenas suspeita da sua participação (Lennon et al., 1984; Riedo et al., 1990).

Controlo da doença

Actualmente, a FDA, nos Estados Unidos, exige que a L. monocytogenes esteja ausente nos produtos da pesca prontos a consumir tais como a carne de caranguejo ou o peixe fumado. Esta restrição se aplica produtos crus que sejam cozinhados antes de consumir (Ahmed, 1991). Outros países têm regulamentações semelhantes que são totalmente irrealistas uma vez que o peixe fumado a frio, por exemplo, não foi submetido a um processamento contra a listeria. Não se pode ter a garantia destes produtos estarem sem esta bactéria dado que a L. monocytogenes é ubíqua na Natureza. A FDA está agora a considerar alterações possíveis nesta política (Archer, 1992). Os produtos serão classificados de acordo com riscos conhecidos e estabelecidos. Uma tolerância zero será ainda mantida para produtos que tenham recebido um tratamento listericida bem como para produtos que tenham estado implicados directamente num surto epidémico de origem alimentar. Um baixo número de L. monocytogenes pode ser então permitido noutros tipos de produtos, em particular, naqueles em que se pode demonstrar que o organismo foi eliminado.

Há uma concordância geral entre os microbiologistas de que pode ser tolerada a presença de um baixo número de L. monocytogenes nos produtos alimentares. Todavia, Notermans et al. (1992) sugerem que um limite de 100 L. monocytogenes/g é razoável enquanto que Skovgaard (1992) admite que contagens >10 L. monocytogenes/g poderão representar um risco para o Homem - em particular para indivíduos predispostos (idosos, recém-nascidos ou imunodeprimidos). No entanto, os valores referidos devem ser comparados com o nível de L. monocytogenes habitualmente existente nos produtos alimentares o qual é, aproximadamente, 1–10 L. monocytogenes/g (Skovgaard, 1992). Isto significa que nenhum ou apenas um baixo desenvolvimento de L. monocytogenes pode ser tolerado nos alimentos.

No entanto, o nível quantitativo de contaminação de L. monocytogenes nos produtos da pesca pode ser mantido num valor muito baixo (>1–10/g), recorrendo a Boas Práticas de Fabrico (BPF) e a higiene na fábrica. A L. monocytogenes é sensível a agentes de desinfecção, tal como é referido por Ryser e Marth (1991). Assim, agentes desinfectantes à base de cloro ou iodo, ácido aniónico e compostos quaternários de amónio são eficientes contra a L. monocytogenes em concentrações de 100 ppm, 25–45ppm, 200 ppm e 100–200 ppm respectivamente.

Nos produtos que não tenham sido submetidos a um tratamento listericida, a luta contra a doença passará pelo controlo do seu desenvolvimento nestes produtos. Alguns factores que limitam a sua proliferação estão indicados no Quadro 3.2. Verifica-se que a L. moncytogenes é dificil de controlar em produtos de pescado conservados em refrigerado como é, por exemplo, o caso do peixe fumado a frio. O organismo pode proliferar a temperaturas abaixo de +1°C e é tolerante ao NaCl (até 10%, a um pH neutro e a 25°C). Os níveis permitidos de nitritos não inibem a L. monocytogenes a menos que haja uma interacção com outros agentes inibidores (Shahamat et al., 1980). Assim, foi demonstrado por Ben Embarek e Huss (1993) que não ocorria a proliferação de L. monocytogenes em salmão fumado a frio e embalado a vácuo, com 5,4% de NaCl na fase aquosa e armazenado a 5°C durante 25 dias. Contudo, verificou-se a sua proliferação quer no salmão fumado a frio (com 2,5–3,2% de NaCl na fase aquosa) e acondicionado em embalagens normais (Guyer e Jemmi, 1991) quer no embalado a vácuo (Rørvik et al., 1991) e armazenado a 4°C. As diferenças no teor em NaCl e nas estirpes utilizadas podem explicar os diferentes resultados obtidos nestas experiências.

O processamento listericida consiste, essencialmente, num tratamento térmico. A resistência ao calor da L. monocytogenes tem sido objecto de uma investigação extensiva, em particular, no leite e noutros lacticínios de acordo com o trabalho de revisão de Mackey e Bratchell (1989). A curva de destruição térmica (CDT) para a L. monocytogenes no bacalhau e no salmão foi estudada por Ben Embarek e Huss (1933). Os resultados obtidos mostram uma resistência ao calor significativamente mais elvada da L. monocytogenes presente em filetes de salmão em relação à dos filetes de bacalhau, sendo D60 igual a 4,5 minutos no salão e a 1,8 minutos no bacalhau. Os valores z foram, em ambos os casos, ca. 6°C como está indicado na Figura 3.2 que é muito semelhante ao valor z calculado por Mackey e Bratchell (1989).

3.1.2. Bactérias não indígenas (Grupo 2)

Algumas das exigências para a proliferação dos organismos do grupo 2 estão registadas no Quadro 3.6.

Salmonella sp.

As Salmonella são membros da família Enterobacteriaceae e ocorrem em mais de 2000 serovariedades. Estes organismos mesófilos estão distribuídos geograficamente por todo o mundo, mas ocorrem, principalmente, nos intestinos do Homem e dos animais e em ambientes poluídos com excrementos humanos ou animais. A sobrevivência na água depende de muitos parâmetros tais como factores biológicos (interacção com outras bactérias) e fisicos (temperatura). Rhodes e Kator (1988) demonstraram que tanto a E. coli como a Salmonella sp. se podem multiplicar e sobreviver em ambientes estuarinos durante semanas, enquanto Jiménez et al. (1989) apresentaram resultados semelhantes em relação à sobrevivência em ambientes tropicais de água doce.

Figura 3.2

Figura 3.2. Resistência ao calor da L. monocytogenes no bacalhau (símbolos abertos) e nos filetes de salmão (símbolos fechados). Os organismos testados foram isolados de salmão fumado (quadrados) e dum caso clínico de listeriose (triângulos) (Ben Embarek e Huss, 1993).

Quadro 3.6. Factores limitantes do desenvolvimento e resistência ao calor das bactérias provenientes dos animais ou do Homem (Grupo 2 - bactérias não indígenas). Resultados adaptados de Doyle (1989), Buckle (1989), Varnam e Evans (1991) e Farber (1986).

Bactérias patogénicasTemperatura°C pHNaCl(%)awResistência ao calor 
mínimoóptimomáximomínimomáximomínimo
Salmonella53745-474,04-50,94D60 = 0,2-6,5 min
Shigella7-103744-465,54-5 60°C/5 min
E. coli5-73744-484,460,95D60= 0,1 min
D55= 5 min
Staphylococcus aureus737484,010-150,83D60 = 0,43-7,9 min
 Produção de toxina pelo
Staphylococcus aureus
1540-4546ca. 5,0100,86 Elevada estabilidade térmica da toxina

Os principais sintomas da salmonelose (infecções não tifóides) são diarreias não sanguíneas, dores abdominais, febre, náuseas, vómitos que ocorrem, geralmente, 12 a 36 horas após a ingestão. Contudo, os sintomas podem variar consideravelmente desde uma doença grave do tipo tifóide até uma infecção assintomática. A doença pode também avançar com complicações mais sérias. A dose infecciosa em pessoas saudáveis veria de acordo com as serovariedades, o tipo de produto alimentar e a susceptibilidade dos individuos. Varnam e Evans (1991) indicaram como dose infecciosa mínima (D.I.M.) um valor tão baixo como 20 células, enquanto que outros estudos apontaram para uma ordem de grandeza >106 células.

Epidemiologia e avaliação do risco

As Salmonella ocorrem habitualmente em aves e animais domésticos e muitos são excretores assintomáticos de Salmonella. Por conseguinte, a carne crua e as aves de capoeira estão, frequentemente, contaminadas por este organismo. De acordo com D'Aoust (1989), foram realizados numerosos inquéritos que mostraram que a incidência varia de acordo com as espécies, as práticas agrícolas e o tipo de processamento. A maior parte dos países industrializados, com uma produção intensiva em aviários, apresentava resultados positivos, entre 50 e 100% de todas as amostras de carcaças de galinha, mas noutros tipos de carne a contaminação pode também aproximar-se dos 100%. A contaminação de leite fresco, ovos e produtos seus derivados por Salmonella é também um grave problema conhecido desde longa data.

A contaminação dos mariscos com Salmonella, devido à sua proliferação em águas poluídas, tem sido um problema em muitas partes do mundo. Num recente trabalho de revisão elaborado por Reilly et al. (1992), são apresentados resultados obtidos em camarões tropicais de cultura que, frequentemente, se encontram contaminados com Salmonella. No entanto, demonstrou-se também que a presença de Salmonella em produtos derivados de camarão de aquacultura é principalmente de origem ambiental e não o resultado de baixos níveis de higiene, de medidas sanitárias insuficientes ou da utilização de estrume de aves como ração.

A maior parte dos relatórios indica que o pescado é um veículo de Salmonella muito menos frequente do que outros produtos alimentares e que o peixe e os mariscos são responsáveis apenas por uma pequena percentagem do número total de casos de Salmonella referidos nos Estados Unidos e noutros países (Ahmed, 1991). A maior parte das gambas e camarões é cozida antes de ser consumida e, por conseguinte, estes produtos apresentam um risco mínimo para a saúde do consumidor, excepto no caso de haver contaminação cruzada nas cozinhas.

Este facto é confirmado pelos dados epidemiológicos apresentados por Ahmed (1991) que refere 7 surtos de salmonelose provocados pelo consumo de pescado nos Estados Unidos durante o período de 1978-1987. Três destes surtos foram devidos a marisco contaminado os quais incluíram 2 surtos após o consumo de ostras cruas apanhadas em águas poluídas com esgotos.

Shigella sp.

O género Shigella é também um membro das Enterobacteriaceae e compreende 4 espécies distintas. Este género é específico de hospedeiros adaptados ao Homem e a outros primatas mais evoluídos e a sua presença no ambiente está associada à contaminação fecal. Tem sido referido que as estirpes de Shigella podem sobreviver na água até 6 meses (Wachsmuth e Morris, 1989).

A Shigella é causa de shigellose (inicialmente conhecida por disenteria bacilar) que é uma infecção dos intestinos. Os sintomas variam desde infecção assintomática ou diarreia moderada até disenteria, caracterizada por fezes sanguíneas, secreção de muco, desidratação, febre alta e severas cólicas abdominais. O período de incubação para a shigellose é de 1 a 7 dias e os sintomas podem persistir durante 10 a 14 dias ou mais. A morte nos adultos é rara, mas a doença nas crianças pode ser severa. Nos países tropicais com padrões baixos de nutrição, a diarreia causada por shigella é responsável pela morte de pelos menos 500 000 crianças todos os anos (Guerrant, 1985).

Epidemiologia e avaliação do risco

A grande maioria dos casos de shigellose é causada por transmissão directa das bactérias, de pessoa a pessoa, através da via oral-fecal. Também a transmissão através da água é importante, especialmente, quando os padrões de higiene são baixos.

No entanto, diversos alimentos, incluindo o pescado (cocktail de camarão, saladas de atum), têm sido também a causa de um certo número de surtos de shigellose. Isto tem resultado quase sempre da contaminação de alimentos crus ou previamente cozidos, durante a preparação, por um portador assintomático infectado com uma reduzida higiene pessoal.

Escherichia coli

A E. coli é o organismo aeróbio mais frequente no tracto digestivo do Homem e dos animais de sangue quente. Em geral, as estirpes de E. coli que colonizam o tracto gastro-intestinal são comensais inofensivas ou desempenham um papel importante na manutenção da fisiologia intestinal. Todavia, dentro desta espécie há, pelo menos, 4 tipos de estirpes patogénicas:

1.E. coli enteropatogénica(ECEP)
2.E. coli enterotóxica(ECET)
3.E. coli enteroinvasiva(ECEI), E. coli do tipo shiga-disenteria
4.E. coli enterohemorrágica(ECEH)/
E. coli produtora de verocitoxina(ECVT) ou E. coli0157:H7

Os estudos epidemiológicos para distinguir os vários tipos de E. coli recorrem à determinação tanto do serotipo como do fagotipo e aos métodos genéticos, mas não há nenhum marcador fenotípico específico para separar as estirpes patogénicas das não patogénicas. Todavia, algumas propriedades atípicas tais como o facto de serem lactose-negativas ou incapazes de produzir indol a 44°C, são as mais comuns entre as estirpes patogénicas (Varnam e Evans, 1991). A ECVT não cresce em meios selectivos a 44°C.

A E. coli pode, sem dúvida, ser isolada de ambientes poluídos por matéria fecal ou esgotos e o organismo pode-se multiplicar e sobreviver durante um longo período neste ambiente (Rhodes e Kator, 1988; Jiménez et al., 1989). No entanto, foi demonstrado, recentemente, que a E. coli pode ser igualmente encontrada em águas tropicais quentes não poluídas, onde pode sobreviver indefinidamente (Hazen, 1988; Fujioka et al., 1988; Toranzos et al.1988).

As estirpes patogénicas da E. coli provocam doenças do tubo digestivo que podem variar, em gravidade, desde formas extremamente benignas até formas que podem ser mesmo mortais, dependendo de um certo número de factores tais como o tipo de estirpes patogénicas, a susceptibilidade do paciente e o grau de exposição.

Epidemiologia e avaliação do risco

Não há indicação de que o pescado seja uma fonte importante de infecção por E. coli (Ahmed, 1991). A maior parte das infecções parece estar relacionada com a contaminação da água ou com o manuseamento do produto alimentar em condições não higiénicas.

Controlo das Enterobacteriaceae

As Enterobacteriaceae (Salmonella, Shigella, E. coli) ocorrem todas em produtos do pescado como resultado de contaminação do Homem ou dos animais. Esta contaminação tem sido normalmente associada à contaminação fecal ou à poluição das águas naturais ou de ambientes aquáticos, onde estes organismos podem sobreviver durante um longo período (meses), ou à contaminação directa dos produtos durante o processamento.

Uma boa higiene pessoal e uma educação sanitária dos manipuladores de alimentos são, por isso, essenciais no controlo das doenças causadas por Enterobacteriaceae. Um tratamento adequado (por exemplo, cloração) da água e a eliminação sanitária dos esgotos constiuem, igualmente, aspectos essenciais num programa de controlo.

O risco de infecção pelas Enterobacteriaceae pode ser minimizado ou eliminado por uma cozedura adequada antes do consumo. É bem conhecido que a resistência da Salmonella ao calor é baixa, mas que varia também, consideravelmente, com a aw e com a natureza dos solutos no líquido de aquecimento (D'Aoust, 1989). Assim, um aumento notório da resistência témica tem sido registado para valores baixos de aw. No Quadro 3.6, encontram-se exemplos de valores D para produtos alimentares com um aw elevado bem como outros factores fisicos que limitam a proliferação das Enterobacteriaceae. Nestas condições, o desenvolvimento é, em geral, inibido na presença de 4-5% de NaCl. Observa-se um aumento da inibição para temperatura ou pH baixos. Segundo Marshall et al. (1971), a actividade da água limite (aw) para a Salmonella em meios de cultura é 0,94.

Os factores limitantes da proliferação de Shigella e de algumas estirpes patogénicas de E. coli não são importantes devido à baixa dose infecciosa suficiente para provocar a doença.

Os níveis correntes de Salmonella em vários produtos alimentares e a tendência para aumentar as infecções humanas e os surtos provocados pela ingestão de alimentos (D'Aoust, 1989) sublinham que os testes bacteriológicos e os padrões bacteriológicos estritos (limites de tolerância zero) da maior parte dos produtos alimentares sã medidas insuficientes para controlar a salmonelose. Mesmo a qualidade microbiológica da água recolhida não parece ser um bom meio para prever a contaminação por Salmonella uma vez que as ostras apanhadas quer em bancos fechados quer em bancos abertos apresentavam o mesmo nível de contaminação (4%) e não foi observada nenhuma correlação entre a presença de E.coli e a de Salmonella (D'Aoust et al., 1980).

Staphylococcus aureus

Os estafilococos são organismos que se encontram por toda a parte e podem ser encontrados na água, ar, poeira, leite, esgotos, chão, superficies e todos os materiais que entram em contacto com o Homem e sobrevivem muito bem no ambiente. Contudo, a principal origem e habitat é o nariz, a garganta e a pele do Homem e dos animais. A proporção de portadores humanos pode atingir 60% dos individuos saudáveis, havendo uma média de 25 a 30% da população que é portadora de estirpes produtoras de enterotoxinas (Ahmed, 1991).

A doença causada por S. aureus é uma intoxicação. Os sintomas havibuais, que podem aparecer dentro de duas a quatro horas após o consumo de produtos contaminados, incluem náuseas, vómitos e, por vezes, diarreia. Os sintomas persistem, em geral, durante 24 horas, mas, em casos graves, a desidratação pode levar ao choque e ao colapso.

Epidemiologia e avaliação do risco

O pescado pode estar contaminado com Staphylococcus provenientes de manipuladores infectados ou do ambiente. Mais frequentemente, a contaminação tem origem num indivíduo com uma infecção nas mãos ou uma constipação ou dores de garganta.

O S. aureus é um mesófilo com uma temperatura mínima para a sua proliferação a 10°C, mas são necessárias temperaturas mais altas para produzir a toxina (>15°C). Contrariamente às Enterobacteriaceae, mas tal como a L. monocytogenes, o S. aureus é halotolerante e capaz de se desenvolver em meios com uma actividade da água tão baixa como 0,86. O pH mínimo para a sua proliferação é 4,5. Estas exigências de desenvolvimento acima referidas estão relacionadas com a proliferação em meio laboratorial quando outros factores são óptimos. Isto nem sempre é o caso nos alimentos onde outros factores limitantes podem estar a actuar em conjunto. Deve ser também realçado que os estafilococos são competidores fracos e não crescem bem na presença de outros microrganismos. Assim, a presença de estafilococos em alimentos crus, contaminados naturalmente, tem pouco significado. Por outro lado, pode ocorrer a proliferação rápida e a produção de toxina no pescado pré-cozinhado (camarão, por exemplo) se for recontaminado com S. aureus e se as condições de tempo/temperatura permitirem o seu desenvolvimento.

O S. aureus produz um certo número de enterotoxinas quando se desenvolve nos produtos alimentares. Estas toxinas são, em geral, muito resistentes a enzimas proteolíticas e ao calor. Não têm sido referidos surtos provocados por alimentos que tenham sido sujeitos a processos normais de enlatamento, mas o calor utilizado na pasteurização e na cozedura em casa não é suficiente para destruir a toxina.

Controlo da doença

As boas condições sanitárias e o controlo da temperatura são necessários para evitar a contaminação, a proliferação e a produção de toxinas - particularmente em pescado précozinhado.

3.2. VíRUS

A incidência de surtos de gastrenterites de origem viral relacionados com a alimentação é ainda desconhecida, mas alguns autores admitem que são bastante comuns. Os progressos no estudo dos vírus que infectam o intestino humano têm sido lentos e conhece-se pouco sobre as características importantes dos vírus entéricos. O cultivo de alguns vírus (por exemplo, o vírus da hepatite A, VHA) é agora possível, mas não estão disponíveis métodos de confiança para a detecção de vírus nos produtos alimentares. Todavia, técnicas baseadas na biologia molecular tais como as sondas RNA/DNA e as técnicas PCR (amplificação genética) estão a ser desenvolvidas muito rapidamente.

A transmissão de doenças virais ao Homem através do consumo de pescado é conhecida desde os anos 50 (Roos, 1956) e, no Homem, as viroses entéricas parecem ser a principal causa de doenças associadas ao consumo de marisco. Actualmente, há mais de 100 vírus entéricos conhecidos os quais são excretados nas fezes humanas e encontram-se nos esgotos domésticos. Todavia, de acordo com Kilgen e Cole (1991), apenas alguns causaram doenças relacionadas com o consumo de pescado.

São os seguintes:Hepatite tipo (VHA)
Vírus Norwalk (pequeno, com uma estrutura redonda)
Agente patogénico “Montanha de Neve”
Calicivírus
Astrovírus
Não-A e não-B

Os vírus são inertes fora da célula viva hospedeira, mas podem sobreviver. Isto significa que não se replicam na água ou no pescado, independentemente do tempo, temperatura ou outras condições fisicas. A sua presença no pescado resulta apenas de contaminação quer através dos manipuladores de alimentos infectados quer através da água poluída. Os bivalves filtradores tendem a concentrar os vírus presentes na água onde se desenvolvem. Nos bivalves vivos passam grandes quantidades de água (segundo Gerba e Goyal (1978) uma ostra filtra até 1500 l de água por dia), o que significa que a concentração de vírus nos mariscos é muito superior à das águas circundantes.

Epidemiologia e avaliação do risco

A dose infecciosa dos vírus é provavelmente muito menor do que a das bactérias para causar doenças relacionadas com a ingestão de alimentos (Cliver, 1988). Para o Homem, a dose infecciosa mínima de alguns vírus entéricos aproxima-se da dose mínima detectável em sistemas de ensaio laboratoriais, utilizando culturas de células (Ward e Akin, 1983).

O Homem e os animais são a fonte dos vírus entéricos. Estes encontram-se em grandes quantidades nas fezes de pessoas infectadas, alguns dias ou várias semanas, após a ingestão/infecção e de cordo com o vírus. A contaminação fecal directa ou indirecta é a fonte mais comum de contaminação dos alimentos.

A lista de veículos alimentares envolvidos em surtos de doenças virais é dominada por moluscos bivalves. Todavia, um outro veículo importante envolve alimentos prontos a consumir, preparados por manipuladores infectados. Os dados disponíveis indicam que quase todos os alimentos que entram em contacto com as mãos e que não sofrem, subsequentemente, um tratamento térmico substancial, podem transmitir estes vírus.

Com apenas algumas excepções, todos os casos referidos de infecções virais associadas ao pescado têm sido resultantes do consumo de moluscos crus ou impropriamente cozinhados (Kilgen e Cole, 1991). Há, no entanto, uma clara evidência de que o VHA tem sido transmitido em virtude de práticas não higiénicas durante o processamento, a distribuição e o manuseamento dos alimentos (Ahmed, 1991). Estas doenças associadas ao consumo de pescado são muito frequentes. De acordo com Ahmed (1991), nos Estados Unidos são comunicados, anualmente, ao Center of Disease Control (CDC), entre 20 000 a 30 000 casos e um dos maiores surtos de doenças, de que há registo, foi um caso de hepatite na China, em 1988, que envolveu 290 000 pessoas. A investigação revelou que a fonte e o modo de transmissão foram o consumo de amêijoas contaminadas e mal cozidas (Tang et al., 1991).

De acordo com Gerba (1988), a sobrevivência de vírus no ambiente e nos alimentos depende de um certo número de factores tais como a temperatura, a salinidade, a radiação solar e a presença de sólidos orgânicos. Assim, os vírus entéricos são capazes de sobreviver durante vários meses na água do mar a temperaturas inferiores a 10°C, período muito superior, por exemplo, ao das bactérias coliformes (Melnick e Gerba, 1980). Deste modo, há pouca ou nenhuma correlação entre a presença de vírus e a das bactérias consideradas usualmente como indicadores de poluição fecal. Todos os vírus entéricos são também resistentes a pH ácido, enzimas proteolíticas e sais biliares presentes no intestino. O vírus da hepatite do tipo A, que é um dos mais resistentes ao calor, tem um tempo de inactivação de 10 min a 60°C (Eyles, 1989). Assim, este vírus é capaz de sobreviver a alguns processos culinários frequentes (cozedura a vapor e fritura). Os vírus entéricos são também resistentes a alguns dos desinfectantes mais vulgares (por exemplo, compostos fenólicos, compostos quaternários de amónio, etanol) enquanto que os halogéneos (por exemplo, cloro e iodo) inactivam os vírus entéricos presentes na água e em superficies limpas. O ozone é extremamente eficaz em água limpa (de acordo com Eyles, 1989).

Controlo da doença

A prevenção de doenças virais transmitidas pela ingestão de alimentos, baseia-se nas medidas para prevenir a contaminação fecal directa ou indirecta dos produtos alimentares que não vão receber um tratamento anti-vírus antes de serem consumidos.

Os moluscos bivalves são próprios para consumo desde que sejam apanhados em águas não poluídas ou que sejam tornados próprios para consumo por depuração em água salgada limpa ou por cozedura. No entanto, há problemas consideráveis num tal programa de controlo.

Assim:

A contaminação pelos manipuladores de alimentos pode ser prevenida graças a uma boa higiene pessoal e a uma educação sanitária, tal como foi mencionado para o controlo das Enterobacteriaceae. Os manipuladores de alimentos quando sofrem de infecçães intestinais nãp devem manusear os produtos alimentares enquanto durar essa infecção e, pelo menos, 48 horas após o desaparecimento dos sintomas. Em caso de dúvida, devem ser usadas luvas descartáveis em operações críticas, uma vez que os vírus são dificeis de eliminar das mãos por lavagem e são resistentes a muitos dos desinfectantes da pele (Eyles, 1989).


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