Escritório Regional da FAO para a América Latina e o Caribe

Artesãs da Bolívia e do Paraguai mantêm viva a cultura e transformam o algodão em arte


As histórias de vida de uma artesã indígena da Bolívia, que desde criança aprendeu a fiar e tecer ao lado de sua avó, e de uma artesã do Paraguai, que busca preservar o bordado Ao Po´i, se encontram graças ao Programa de Cooperação Internacional Brasil-FAO que tem como objetivo manter viva a arte do algodão e, ao mesmo tempo, gerar uma importante fonte de renda.

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María Posiva (à esquerda) e Carolina Giménez (à direita) no desfile de lançamento da coleção "América Latina veste-se de algodão" em Brasília, Brasil, em 2023, organizado pelo projeto +Algodão do Programa de Cooperação Internacional Brasil-FAO.

FAO/Cristiano Sérgio

07/10/2025

Agricultora e artesã indígena, María Posiva, de 65 anos, vive no município de San Antonio de Lomerío, na Bolívia, onde o fiar faz parte de seu DNA. Ela aprendeu a trabalhar com algodão aos 10 anos de idade com sua avó. Pertencente ao povo Chiquitano, María lembra que o algodão está presente em sua vida desde a infância, quando sua família o cultivava para confeccionar suas próprias roupas. “O artesanato é uma arte”, afirma.

Ela recorda que, desde muito jovem, participa de um grupo de mulheres em sua comunidade, onde aprendeu a costurar e confeccionar diversas peças. Casada há 50 anos e mãe de 11 filhos, divide seu dia entre as tarefas domésticas, o trabalho na roça e a fiação — esta última sendo a atividade que lhe permitiu contribuir para a renda familiar.

Atualmente, María integra a Associação de Pequenas Indústrias Artesanais e Serviços Turísticos (APIASERTUR), formada por 20 mulheres que produzem artesanatos com fios de algodão, como bolsas, mochilas, redes e camisas, entre outros produtos.

Com o apoio do projeto +Algodão, do Programa de Cooperação Internacional Brasil-FAO, María participou de intercâmbios com artesãs da Argentina e do Peru, de capacitações e de eventos nacionais e internacionais. “Às vezes é bom sair para ganhar conhecimento”, comenta.

O projeto +Algodão é desenvolvido desde 2013, em conjunto pela FAO, a Agência Brasileira de Cooperação do Ministério das Relações Exteriores (ABC/MRE) e seis países parceiros — Argentina, Bolívia, Colômbia, Equador, Paraguai e Peru. Uma das ações da iniciativa é fortalecer as capacidades das “mulheres do algodão” — agricultoras ou artesãs que, por meio de cursos, feiras e espaços de intercâmbio, resgatam saberes ancestrais ligados à arte algodoeira.

María e outras artesãs bolivianas receberam capacitações em colorimetria, segurança no trabalho, corte e costura. A artesã chiquitana também domina a técnica ancestral de tingimento natural com raízes, caules, cascas e folhas — um patrimônio cultural de seu povo. Tudo o que aprendeu, hoje transmite a outras mulheres, da mesma forma que recebeu os ensinamentos na juventude.

Um dos maiores aprendizados com o projeto, ela destaca, foi deixar de lado os materiais sintéticos e voltar às origens: “Trabalho com algodão porque é a nossa cultura”.

María Posiva e Carolina Giménez participaram de atividades de formação e troca de experiências promovidas pelo projeto +Algodão para fortalecer seus conhecimentos artesanais.

Tecido delicado, em algodão

A cerca de 900 km da comunidade de María, em Yataity, departamento de Guairá, no Paraguai, vive Carolina Giménez, de 57 anos, mãe solteira de dois filhos e artesã. “Para mim, o algodão representa um legado cultural inestimável. Manter essa tradição viva significa honrar a memória e o conhecimento transmitido”, afirma.

Yataity é reconhecida como a capital do Ao Po´i, termo guarani que significa “tecido fino” ou “roupa delicada”. A importância dessa técnica é tamanha que, em 2024, por meio do Decreto 929, o Poder Executivo declarou o Ao Po´i como traje oficial preferencial do Governo Nacional.

Carolina vive principalmente da confecção de artesanatos em algodão, embora complemente sua renda com outras atividades. Vende suas peças em feiras, para clientes diretos e em espaços culturais. “Viver do bordado Ao Po´i é carregar comigo parte da identidade da minha região. Essa tradição representa história, cultura e o esforço de muitas gerações”, diz.

Para Carolina, o bordado conecta com as raízes, fortalece a identidade como povo e garante a transmissão de conhecimentos aos jovens como um patrimônio que não deve se perder. Ela participa atualmente de um comitê de artesãos que fortalece o trabalho coletivo e facilita a troca de experiências.

Para a artesã paraguaia, o apoio do projeto +Algodão foi uma grande oportunidade para fortalecer sua prática artesanal, ampliar conhecimentos por meio de capacitações como “Mais Algodão, Mais Artesanato”, melhorar a qualidade de seus produtos e abrir portas para novos mercados.

Da Bolívia e do Paraguai para a passarela no Brasil

María Posiva e Carolina Giménez estiveram juntas durante o desfile de lançamento da coleção “A América Latina se veste de algodão”, realizado em Brasília, Brasil, onde representaram o artesanato de seus países.

Ambas foram protagonistas da narrativa do desfile, que buscou destacar o processo artesanal do algodão — do cultivo ao bordado — e o papel das mulheres rurais como guardiãs dos saberes ancestrais. “Foi uma oportunidade de mostrar minha arte, meu artesanato”, recorda María. Carolina acrescenta: “Nunca imaginei conhecer um lugar tão bonito por meio do artesanato”.

O evento apresentou 30 looks confeccionados com algodão da agricultura familiar e bordados por artesãs rurais de cinco países, com apoio do projeto +Algodão, incluindo Bolívia e Paraguai.

As duas artesãs também fazem parte da Rede Latino-Americana de Mulheres Algodoeiras, uma iniciativa apoiada pelo projeto +Algodão que busca o empoderamento das mulheres na cadeia de valor do algodão e a promoção de economias mais sustentáveis, justas e com maior valor agregado.

Dia Mundial do Algodão

De acordo com a FAO, o algodão sustenta cerca de 24 milhões de agricultores, beneficiando mais de 100 milhões de famílias em todo o mundo. Além disso, é a segunda fibra mais utilizada globalmente, entre fibras vegetais, animais e sintéticas. O algodão constitui um meio de subsistência fundamental para milhões de pequenos produtores, trabalhadores e suas famílias. Além de promover meios de vida sustentáveis, impulsiona o empoderamento das mulheres, o emprego de jovens e o acesso a trabalho decente.

Em 2021, a Assembleia Geral das Nações Unidas proclamou 7 de outubro como o Dia Mundial do Algodão, reconhecendo seus benefícios únicos. O objetivo é dar maior visibilidade ao setor algodoeiro e aumentar a conscientização sobre seu papel no desenvolvimento econômico, no comércio internacional e na redução da pobreza em territórios ao redor do mundo. Em 2025, o tema é “O tecido de nossas vidas”.

As artesãs María Posiva e Carolina Giménez com artesãs do Peru e do Brasil que também participaram do desfile da coleção.

Mais Algodão

Há 12 anos, o projeto +Algodão vem sendo implementado na região, no âmbito do Programa de Cooperação Internacional Brasil-FAO, com o objetivo de promover sistemas de produção sustentáveis e inclusivos, com uma visão integral da cadeia de valor do algodão. O projeto incentiva boas práticas agrícolas e sociais, agregação de valor, comércio justo e desenvolvimento agrotextil.

Um de seus eixos estratégicos é o empoderamento das mulheres rurais algodoeiras, cujo papel central vai além do cultivo: elas também transformam o algodão em artesanato e contribuem para sua comercialização.

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