Escritório Regional da FAO para a América Latina e o Caribe

Apoio à agricultura familiar: governos da América Latina e do Caribe enxergam além da produção

A nova geração de políticas públicas para a agricultura familiar deve considerar seu papel na luta contra a fome e a pobreza, a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento territorial.

Santiago do Chile, 5 de novembro de 2014 –  As políticas para a agricultura familiar devem incorporar uma abordagem transversal que vai além do apoio à produção e considerar o papel deste setor na luta contra a fome e a pobreza, a preservação do meio ambiente, a educação e a saúde e o desenvolvimento regional , disse hoje a FAO.

“Não podemos tratar situações diferentes com as mesmas ferramentas: devemos enfocar as políticas voltadas à agricultura familiar nos desafios deste modo de produção, caso contrário, se aprofundarão as desigualdades”, explicou Raúl Benítez, durante seminário organizado por CEPAL, FAO, IICA e CIRAD para analisar a situação atual e os desafios futuros das políticas públicas de agricultura familiar na região.

A este respeito, a Secretária de Desenvolvimento Rural da Argentina, Carla Campos Bilbao, destacou que “os agricultores de pequena escala podem ser a alternativa ao problema da fome em nosso continente. Trabalhar com eles implica em aprofundar em uma agenda que busca mais igualdade e justiça social para reivindicar os direitos de setores que historicamente foram postergados”.

A nova geração de políticas para a agricultura familiar deve responder à realidade rural, em particular a situação das mulheres, jovens e povos indígenas, e ser construída com a participação da população campesina, um tema sobre o qual tanto Fernando López, da Aliança para a Soberania Alimentar dos Povos, como Manuel Llao, representante das organizações da agricultura familiar e indígenas do Chile, concordaram, ressaltando a importância de reconhecer os direitos a terra, água, sementes e a diversidade no setor.

Parte da solução, não do problema

“A agricultura familiar não é sinônimo de pobreza nem é parte do problema de desenvolvimento rural: é parte da solução”, disse Álvaro Ramos, Coordenador do Programa FIDA MERCOSUL, destacando que em muitos países da região a agricultura familiar é a principal fornecedora de alimentos para os programas públicos como o de alimentação escolar.

Valter Bianchini, Secretário de Agricultura Familiar do Ministério do Desenvolvimento Agrário do Brasil, exemplificou a forma como a agricultura familiar no país soube responder à demanda de alimentos gerada pelo aumento da renda da população: “hoje, com o salario mínimo pode-se comprar duas cestas básicas, o dobro do que se comprava no início da década. Isso significa que se produziram mais alimentos a custos mais baixos e aí nota-se a importância da agricultura familiar”.  

Segundo Antonio Prado, Secretário Executivo Adjunto da CEPAL, há três grandes desafios futuros para este setor: gerar políticas para uma viabilidade no contexto de transformação produtiva; promover o desenvolvimento de capacidades entre os agricultores devido à baixa escolaridade; e gerar políticas enfocadas nas mulheres e jovens para facilitar as mudanças nas gerações.  

Uma prioridade regional da FAO

"Todo mundo está ciente do que está fazendo a região em termos de agricultura familiar graças aos avanços feitos nos últimos anos", disse Benitez, destacando que a FAO está apoiando fortemente os governos por meio da Iniciativa Regional Agricultura Familiar e Desenvolvimento Territorial Rural, uma de suas três prioridades de trabalho na região.

A iniciativa da FAO trabalha com os governos nacionais e as principais organizações de integração regional como CELAC, SICA, CARICOM, CAN, MERCOSUL, ALBA-Petrocaribe para incorporar o setor como um pilar em seu trabalho de erradicar a fome e a pobreza.

"Na FAO estamos promovendo sinergias entre os planos de proteção social e os de agricultura e  desenvolvimento rural  tanto nos níveis nacional e regional, por meio de instrumentos como o Plano de Erradicação da Fome e da Pobreza da CELAC, que reconheceu a potencial dos agricultores e agricultoras familiares ", disse Benítez.

Cresce o protagonismo do setor

De acordo com a publicação Políticas públicas e agricultura familiar na América Latina e no Caribe, apresentado pela CEPAL durante o seminário, podem-se observar três dinâmicas principais na região.

A primeira trata da visibilidade e do reconhecimento que a agricultura familiar ganhou nas últimas décadas. A segunda relaciona-se com a destinação pelos governos de um orçamento específico para esta categoria de agricultores, garantindo-lhes um acesso a recursos reservados; e a terceira trata da crescente complexidade do conjunto de políticas e instituições de incidência na agricultura familiar.

O livro destaca que a Argentina destinou, em 2013, 1,7 milhões de dólares para o programa de inscrição dos agricultores familiares no Registro Nacional de Agricultura Familiar e outros 37,5 milhões de dólares para apoiar duas cadeias em que a agricultura familiar está presente (CEPAL et al., 2013). O Chile cresceu 8,2% o orçamento do Instituto de Desenvolvimento Agrícola (INDAP) em 2013 para apoiar a agricultura familiar. Em Cuba, a partir das conquistas da agricultura campesina/familiar, o governo tem redistribuído 1.580.000 hectares - ou seja, 15% da superfície agrícola útil do país - aos agricultores já estabelecidos e aos novos agricultores.

O livro assinala que o Uruguai começou a implementar programas especiais para os agricultores familiares e a investir no desenvolvimento rural descentralizado e participativo com as Mesas de Desenvolvimento Rural. O Brasil aumentou em dez vezes o orçamento do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), desde 1996, e na safra 2013/14 destinou 9,5 bilhões dólares em crédito para os agricultores familiares.

“Tudo isso mostra que a América Latina e o Caribe não somente estão à frente na luta mundial contra a fome, como também têm reconhecido a agricultura familiar como um aliado-chave para a segurança alimentar”, concluiu Raúl Benítez.