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Módulo 5
GÉNERO, PERDA DE BIODIVERSIDADE, E A CONSERVAÇÃO PERDENDO TERRENO

GÉNERO, PERDA DA BIODIVERSIDADE E A CONSERVAÇÃO PERDENDO TERRENO

RELAÇÕES DEGÉNERO, HORTICULTURA COMERCIALE AMEAÇAS À DIVERSIDADE DE PLANTAS LOCAIS NO MALI RURAL
Stephen Wooten

CENÁRIO

Niamakoroni é uma comunidade agrícola localizada no Planalto de Mande na zona Centro-Sul do Mali, aproximadamente a 35 quilómetros de Bamako. O povoamento consiste em séries de estruturas de tijolos de barro cru agrupados perto uns dos outros e árvores de sombra. O povoamento foi fundado perto do fim do século 19, quando um segmento de uma linhagem duma comunidade vizinha ali se fixou a fim de ganhar acesso a novas terras de cultivo. Os residentes contemporâneos de Niamakoroni, como os seus antepassados, afirmam ter uma identidade étnica Bamana (Bambara).

Na comunidade, o grupo doméstico primário (unidade residencial, produtora e consumidora de alimentos) é chamado du (duw, no plural), na língua Bamana (Bamanankan). Os membros de cada du vivem perto uns dos outros e partilham as refeições ao longo de todo o ano. Os duw Niamakoronianos são famílias multi-geracionais unidas, os jovens, e suas esposas e famílias vivem e trabalham tipicamente sob a autoridade do ancião mais velho do grupo, o dutigi. Como membros seniores dos seus grupos de linhagem, os dutigiw têm acesso às áreas aráveis das terras altas e á autoridade para dirigir o trabalho dos que vivem com eles.

As mulheres na comunidade são responsáveis pelo processamento e preparação dos alimentos, assim como por todas as tarefas inerentes à manutenção da família e da casa. Os homens têm poucas obrigações domésticas para além da construção e manutenção das casas (veja também Creevey 1986; Thiam 1986).

DOMÍNIOS DO GÉNERO NA ECONOMIA ALIMENTAR

A comunidade depende da agricultura alimentada pela chuva, e em Niamakoroni as chuvas escassas caem de Junho até Setembro. A comunidade depende principalmente desta curta época das chuvas para fazer frente às suas necessidades alimentares. A maioria da população activa capaz cultiva ou colhe culturas alimentares e plantas. Estas actividades são denominadas de ka balo (para a vida).

Relações de género claramente demarcadas caracterizam este processo de produção de alimentos. Os homens em cada família trabalham colectivamente no seu campo principal das terras altas (foroba), que está localizado nas áreas de mato, a apenas poucos quilómetros da povoação. Aqui eles produzem uma gama de culturas básicas incluindo o sorgo (nyo -Sorghum bicolor), milhete (sanyo -Pennisetum glaucum), milho (kaba-Zea mays), ervilha(sho-Vigna unguiculata), amendoim (tiga - Arachis hypogaea), amendoim Bambara (tiganinkuru - Voandzeia subterranea). Na maior parte da região o sorgo e o milhete ocupam a maior parte da área total cultivada (PIRL 1988).

As mulheres, por outro lado, são responsáveis pelo cultivo e colecção de plantas necessárias para a realização dos molhos que temperam os cereais das culturas dos homens nas refeições diárias. Na época das chuvas, as mulheres casadas, em cada grupo doméstico, trabalham individualmente nos campos das terras altas a elas destinados pelos dutigiw para produzir nafenw, ou ‘coisas para molho’. Na maior parte das vezes, as mulheres intercalam as culturas de amendoim (tiga - Arachis hypogaea), ervilha, kenaf (dajan - Hibiscus cannabinus), roselle (dakumum ou dabilenni- Hibiscus sabdariffa), quiabo (gwan - Abelmoschus Hibiscus esculentus) e sorgo. Os seus padrões de cultivo focam-se nas folhas e vegetais tradicionais que complementam as culturas básicas produzidas nas forobaw. A maioria das culturas das mulheres é destinada ao consumo directo, embora, às vezes, alguns produtos sejam vendidos para gerar rendimento que é tipicamente utilizado na compra de ingredientes comerciais complementares, tais como os cubos para sopa, óleo vegetal ou sal (Wooten 1997).

Para além do cultivo de culturas de condimentos nos campos das terras altas durante a época das chuvas, as mulheres ao longo do ano juntam recursos de plantas silvestres ou semi-silvestres nos seus campos ou nas áreas de arbustos para usarem nos seus molhos. Elas colhem e processam as folhas da árvore do báobá (Adansonia digitata) ara fazer um ingrediente chave para o molho e utilizam a fruta da árvore de noz de shea (Butryospermum parkii) para fazer óleo de cozinha e loção para o tratamento da pele. Como foi reportado noutros sítios da região (Becker 2000, 2001; Gakou et al. 1994; Grisby 1996), as mulheres conservam estas árvores produtivas nos seus campos e fazem uso das espécies nas matas em redor da comunidade. Uma vasta variedade de verduras silvestres ou semi-silvestres é regularmente utilizada para os seus molhos.

Este padrão geral de contribuições distintas do género para a economia alimentar, com os homens a fornecer cereais e as mulheres a fornecer molhos, é comum entre os Bamana (Becker 1996; Thiam 1986; Toulmin 1992). Contudo, existe uma outra actividade típica de produção associada às mulheres de Bamana: a jardinagem. Descrições da região de Bamana sugerem que as mulheres usam regularmente áreas baixas, perto de riachos, como hortas caseiras e para colherem plantas silvestres para usarem como ingredientes necessários para os seus molhos (Grisby 1996, Konaté 1994). De facto, nako, a palavra Bamana que significa jardim ou horta, é, muitas vezes traduzida literalmente como ‘riacho de molho’, que se relaciona com o tipo do produto e com a área de produção. As mulheres, têm sido, responsáveis pela produção de nafenw, na maioria das comunidades Bamana ao longo das gerações. Portanto, a associação histórica entre as mulheres de Niamakoroni e os nakow (riachos de molho) parece inteiramente lógica. Porém, actualmente, elas não praticam a jardinagem em tais áreas, em redor das suas vilas. Em vez disso, elas cultivam as suas culturas de ingredientes para os molhos, nos campos das terras altas e colhem alimentos de plantas silvestres nas áreas das matas vizinhas. Nas últimas décadas, a jardinagem, que antigamente foi um domínio intimamente associada às mulheres e à economia alimentar, tornou-se num assunto de homens e um empreendimento comercial.

TRABALHAR NO JARDIM POR DINHEIRO: INDO AO ENCONTRO
DAS EXIGÊNCIAS DOS CONSUMIDORES URBANOS

Para além de trabalharem nos seus duw respectivos para o consumo doméstico, os indivíduos de todas as idades em Niamakoroni têm a opção de se envolverem em actividades independentes de produção de mercadorias que lhes trarão rendimentos pessoais. Estas são tipicamente chamadas actividades ka wari nyini (para dinheiro)

Enquanto uma variedade de actividades que geram rendimento ocorre na comunidade, toda a gente percebe a jardinagem comercial como sendo uma actividade para a geração de rendimento e acumulação potencial. Tanto os homens como as mulheres identificaram a jardinagem comercial como sendo a estratégia preferida para adquirir rendimentos. Eles também notaram que os consumidores urbanos de Bamako, a capital, constituem o maior mercado para o produto das suas hortas (veja também Konaté 1994).

Bamako cresceu drasticamente desde que os Franceses fixaram as suas sedes administrativas na cidade no fim do século 19. Existe, actualmente, um mercado regional de cereais bem estabelecido, e a maioria dos consumidores urbanos dependem dos produtores rurais para fornecimento dos produtos de consumo básicos, tais como o sorgo e o milhete. Mais ainda, existe uma procura crescente de produtos hortícolas especializados. Desde que as forças coloniais Francesas começaram a consumir frutas e vegetais frescos produzidos nas colónias, os residentes de Bamako tornaram-se cada vez mais interessados em adquirir e consumir frutas e vegetais exóticos (République du Mali 1992, Villien-Rossi 1966). Um número de factores contribuiu para esta mudança no consumo; estes incluem, a expansão de campanhas nutricionais governamentais que realçaram o valor nutricional de frutas e vegetais frescos, a emergência de uma classe média que considera os padrões de dieta Ocidentais como sendo um sinal de cultura e saúde, e o crescimento do número de trabalhadores de ajuda estrangeiros, que desejavam consumir frutas e vegetais nativos dos seus países de origem. Todos estes factores, criaram uma forte procura de produtos de horticultura não tradicionais, especializados, na capital. As comunidades, tais como Niamakoroni que estão nas proximidades do mercado da capital estão bem situadas neste contexto global (veja também Becker 1996; Konaté 1994).

Actualmente, a jardinagem comercial constitui uma componente central do sistema local dos meios de subsistência em Niamakoroni. Nos meados dos anos 1990, existiam 22 operações distintas de jardinagem comercial na comunidade, cada uma com o seu líder de jardim (nakotigi). Os homens casados geriam a vasta maioria das operações das hortas (19 das 22, ou 86%). Todas as três mulheres nakotigiw tinham a posição de primeira esposa dentro da unidade poligâmica. Como tal, todas estavam dispensadas do compromisso directo na produção de alimentos, e as suas actividades já não eram geridas pelo respectivo dutigiw. Comparando com os outros nakotigiw, estas mulheres operavam empresas relativamente menores, trabalhando em pequenos campos situados em localizações periféricas. A maioria dos nakotigiw é ajudada pelos seus irmãos mais novos, filhos e filhas e, em alguns casos, esposas. Os nakotigiw estabelecem os padrões de cultivo, organizam o trabalho, tomam decisões relacionadas com a colheita e marketing, vendem os produtos e distribuem os proventos da forma que acham mais adequada.

Nos meados dos anos 1990, os 22 nakotigiw de Niamakoroni operavam um total de 34 hortas, variando de tamanhos entre os 378 a 9720 m2 com uma média de 3212 m2. A vasta maioria destes campos estava situada em terras baixas, imediatamente em redor da comunidade. Muitos estavam bem delineados e delimitados para se protegerem dos estragos do gado. Os campos controlados pelas três mulheres jardineiras não estavam vedados e eram os mais pequenos (378–650 m2). Além disso, os seus campos estavam localizados dentro das matas ao longo de riachos relativamente menores.

Os jardins comerciais produzem uma variedade ampla de vegetais e frutas, muitos dos quais são exóticos e não tradicionais. Os tipos mais comuns dos vegetais produzidos em Niamakoroni eram tomate, beringela amarga (Solanum incanum), feijões comuns, pimenta picante e couve. Num ponto ou noutro, todos os 22 nakotigiw cultivavam estas culturas. Outras culturas de vegetais incluíam cebola, beringela Europeia, pimenta verde, abóbora e okra. As culturas de frutas também desempenhavam um grande papel nestes jardins. Geralmente estas plantações de frutas ocupam uma grande percentagem da área total do jardim, principalmente como hortas puras ou, menos frequente, integrados num jardim diversamente plantado. Excepto nos campos pertencentes às três mulheres nakotigiw, todos os campos do jardim continham, pelo menos, algumas plantações de frutas produtivas incluindo banana, papaia, manga e várias espécies de citrinos. Em todos os casos, a banana era a cultura de fruta mais abundante. A papaia ocupava o segundo lugar e era cultivada por todos os dezanove homens. Todos os nakotigiw homens também tinham mangueiras. Muitos jardineiros tinham stocks de citrinos incluindo limões, laranjas, tangerinas, tangelos, toranjas, sendo os limões os mais comuns. Com a excepção da beringela amarga, pimenta picante e manga, estas culturas são plantações não tradicionais de jardim. Todas as culturas do jardim, tradicionais e não tradicionais têm uma grande procura na capital.

Os jardineiros fazem, frequentemente, uma série de investimentos comerciais. Todos os 22 nakotigiw compram sementes de vegetais comerciais para os seus jardins. Para além da compra de sementes e mudas de vegetais, os nakotigiw de Niamakoroni, também compram regularmente stocks de hortas. Todos os nakotigiw homens compram stocks de hortas, plantações de bananas, mudas de citrinos ou stocks de enxertos de citrinos e o mercado de Badala, ao longo do Rio Níger, era a sua fonte principal. Alguns dos nakotigiw homens disseram que também obtêm tais itens de outros nakotigiw das comunidades vizinhas onde existem hortas estabelecidas há mais tempo. As três mulheres nakotigiw não plantaram nenhumas árvores de citrinos nos seus campos e as bananas que elas cultivaram foram obtidas localmente.

Todos os 19 nakotigiw homens afirmaram comprar fertilizantes químicos para os seus campos. Catorze dos quais também afirmaram comprar estrume de animais (principalmente de galinhas). Poucos dos nakotigiw homens também compram pesticidas químicos de tempos em tempos. Os jardineiros não estão geralmente cientes dos riscos de saúde destes materiais e, assim falham em se proteger.

Os jardineiros foram unânimes quando questionados sobre os seus objectivos de produção. Todos os 22 nakotigiw indicaram que viam as suas actividades de horticultura como uma forma de ganhar rendimento e que todos os produtos dos seus jardins eram destinados à venda. De facto, os produtos de jardim apareciam muito raramente na dieta local e quando isto acontecia, estavam estragados ou a deteriorarem-se. O grosso dos produtos dos jardins de Niamakoroni era direccionada aos mercados de Bamako. Os produtos eram levados a um local suburbano onde os comerciantes urbanos, maioritariamente mulheres jovens, os compravam aos jardineiros ou aos seus ajudantes. Em algumas ocasiões, estes compradores deslocavam-se directamente aos jardins para assegurar produtos, indicando uma grande procura na capital.

Para dar uma ideia dos níveis potenciais de rendimento da jardinagem comercial, foi feita uma série de estimativas de valores de culturas. Estas análises mostraram que o valor total da cultura de banana, em todos os jardins durante os anos 1993–1994 era de aproximadamente US$35,000. O valor projectado da cultura total de papaia desses anos foi de aproximadamente US$9,500. O indivíduo com o maior número de plantações de bananas (736) pode ter tido de proveito aproximadamente US$4,400 somente desta cultura. O indivíduo com a menor plantação de bananas (36) pode ter ganho US$216. O valor projectado da cultura total de papaia desses anos foi de aproximadamente US$9,500.O indivíduo com a maior plantação madura (76) pode ter ganho cerca de US$1,600 desta cultura, enquanto que o indivíduo com a menor plantação madura (4) pode ter ganho US$85. Estes exemplos indicam que os rendimentos potenciais da jardinagem comercial são relativamente altos no Mali, que tem um rendimento per capita muito baixo, US$260 no inicio dos anos 90 (Imperato 1996).

OPINIÕES CONTRASTANTES SOBRE O DESENVOLVIMENTO
DA HORTICULTURA COMERCIAL

Baseados nos proveitos destas duas culturas, se compartilhadas igualmente entre todos os 184 residentes de Niamakoroni, o rendimento bruto per capita seria aproximadamente de US$244, ou quase a média nacional. Contudo, os números são baseados no valor bruto e não em rendimento líquido. Além disso, o rendimento gerado através de jardinagem não é distribuído uniformemente na comunidade. A vasta maioria dos líderes dos jardins são homens, eles são os principais beneficiários primários desta estratégia de diversificação de meio de subsistência relativamente lucrativa (Wooten 1997).

Claramente, a jardinagem comercial é significativa na Niamakoroni contemporânea. Contudo, é claramente uma actividade comercial principalmente masculina, que está focada numa variedade de culturas principalmente exóticas e não tradicionais. No entanto, como indicado na introdução, a jardinagem não foi sempre uma actividade predominantemente masculina, destinada ao comércio e baseada em plantas exóticas. Mais ainda, nem todas as pessoas aceitaram calmamente a jardinagem comercial, nem é provável que afecte toda a gente da mesma maneira. De facto, os homens e as mulheres na comunidade tendem narrar a história do desenvolvimento da jardinagem comercial e os padrões correntes de posse dos jardins de formas diferentes. A justaposição das suas descrições realça uma mudança significativa na natureza da jardinagem ao longo do tempo.

Na perspectiva de um ancião, a posse de jardins/hortas em Niamakoroni partilha uma característica com a fixação da comunidade: os primeiros agricultores fizeram as primeiras reclamações de terras. Quando os habitantes iniciais de Jara começaram a praticar a agricultura em Niamakoroni, os chefes de linhagem masculina estabeleceram-se como guardiões da terra (Wooten 1997). Como tal, os descendentes masculinos dos fundadores patriarcas de Jara conservaram o direito de distribuir extensões de terras altas aos chefes de família da comunidade. Contudo, parece que a reclamação original dos Jara não inclui necessariamente as terras baixas, que os homens, nesses tempos, não viam como sendo centrais para o regime de produção de alimentos. Baseado nos comentários fornecidos por Nene Jara e Shimbon Jara, os dois anciãos, parece que o controle destas terras passou para os que as prepararam, em primeiro lugar, para o cultivo, em muitos casos, para a primeira geração de jardineiros comerciais: os seus pais.

Outros juntaram-se, subsequentemente, à primeira onda de jardineiros na comunidade assim que começaram a ver as vantagens do cultivo de jardins. Os homens jovens juntaram-se ao domínio limpando as áreas que o Nene as considerava “áreas não usadas”. Para além disso, ao longo do tempo, alguns homens jovens que tinham trabalhado para os chefes dos jardins originais estabeleceram as suas operações. Eles ou reivindicaram as terras “não usadas” ou obtiveram secções originalmente pertencentes aos seus pais ou irmãos mais velhos depois da sua morte ou reforma. Mais tarde, alguns indivíduos obtiveram terras de outros indivíduos não familiares. O aluguer não foi mencionado, embora tenham sido feitos alguns empréstimos não remunerados de terras a curto prazo. Nene e Shimbon afirmaram que, muito recentemente, algumas mulheres começaram a realizar actividades de jardinagem no interior das matas, em terras que eles dizem que os homens julgaram serem muito distantes para a prática de actividades sérias de horticultura. As mulheres limparam estas áreas sozinhas a fim de praticarem a jardinagem.

As mulheres ofereceram uma perspectiva muito diferente do desenvolvimento da jardinagem comercial. Várias mulheres mais idosas afirmaram que, no início do desenvolvimento das actividades de jardinagem comercial masculina nas áreas baixas, as mulheres tinham, de facto, desenvolvido certas culturas e coleccionado plantas em algumas destas áreas. Wilene Diallo, a mulher mais velha da comunidade disse que ela e outras esposas da comunidade utilizavam terras nestas áreas, durante a época das chuvas, para cultivar culturas de vegetais tradicionais para os seus molhos (naw). Ela indicou também que as mulheres da aldeia plantavam, às vezes, arroz nas terras baixas durante a época das chuvas. O arroz produzido era uma variedade tradicional que era usada em refeições especiais ou comercializada. O padrão foi também observado nas descrições publicadas sobre os padrões rurais de produção noutras áreas do Mali (e.g. muitos jornais em Creevey 1986, Becker 1996).

Mais, antes do estabelecimento da primeira geração de jardineiros comerciais, parece que as mulheres utilizavam livremente, pelo menos algumas áreas perto de riachos, sem competição directa com os homens. Elas agiam assim com o objectivo primário de produzir culturas de ingredientes locais para os seus molhos. Tal uso incontestável destas áreas pode-se relacionar com o facto de ainda não ter sido desenvolvido um mercado para produtos de horticulturas especializados e de que os homens consideravam as terras baixas como sendo menos desejáveis. Mamari Jara, um dos líderes de jardim da Niamakoroni contemporânea, disse que talvez na geração anterior, algumas terras tenham sido originalmente usadas por algumas das mulheres da aldeia para a produção de folhas e vegetais para molhos.

TERRA PERDIDA, RECURSOS AMEAÇADOS

Quaisquer que sejam as particularidades históricas exactas, está claro que, actualmente as mulheres estão em grande parte excluídas dos espaços de jardim na comunidade. Para estabelecerem as suas empresas comerciais, os homens apropriaram-se dos espaços físicos das terras baixas, assim como do próprio nicho de produção em jardim. Eles reivindicaram terras onde as suas mães e esposas anteriormente cultivavam e colhiam plantas para a culinária da família. Esta atitude tem implicações para as contribuições das mulheres para a economia alimentar e para a sua posição relativa na comunidade.

A marginalização das mulheres do nicho de jardim em Niamakoroni limita a sua capacidade de produzir alimentos tradicionais. As mulheres esforçam-se em produzir culturas suficientes de vegetais nos campos das terras altas, que lhes são destinadas pelo dutigiw, mas a sua produtividade nessas terras é limitada. A vasta gama de obrigações domésticas das mulheres limita o tempo disponível para o cultivo nesses campos. Mais ainda, algumas das culturas tradicionais podem não crescer bem no ambiente das terras altas, porque, os campos das terras altos só podem ser cultivados durante a época das chuvas, enquanto que a confecção dos molhos requer ingredientes frescos ao longo de todo o ano. Mais, mesmo se as mulheres forem suficientemente afortunadas para obterem uma colheita de algumas culturas de vegetais dos seus campos, elas ainda precisam de localizar recursos adicionais de plantas locais para confeccionar os seus molhos. Com o acesso restringido às áreas das terras baixas, as suas capacidades para procurar estes itens estão limitadas. A sua marginalização da jardinagem limita o seu acesso aos recursos financeiros, que podiam ser usados na compra de alguns ingredientes para molhos que elas não são capazes de obter localmente.

Deve ter-se em conta que esta mudança não passou despercebida ou incontestada pelas mulheres de Niamakoroni. No decorrer de entrevistas, várias mulheres demonstraram uma insatisfação clara com a situação. Como disse uma das mulheres: “Os homens ficam com todos os jardins. Eles ficam com todo o dinheiro. Ainda por cima, não nos dão nada, nem sequer dinheiro para molho ou para os nossos bebés.” Algumas mulheres ressentem-se claramente que o que elas concebem como uma esfera tradicional feminina tornou-se parte do mundo masculino. Mais ainda, é importante ter em mente que existiam três mulheres nakotigiw.Os seus jardins eram muito pequenos, localizados a uma distância considerável da vila e junto a riachos relativamente menores, mas, apesar disso, elas tinham jardins destinados ao comércio. Contudo, ao contrário da maioria das mulheres casadas na comunidade, estas mulheres jardineiras eram esposas seniores que se tinham reformado da maioria dos deveres habituais associados com a economia alimentar da família. As suas realizações, apesar de escassas, provavelmente não seriam replicadas de uma forma alargada.

Para além da emergência de uma série de desafios sociais e económicos, a exclusão das mulheres do domínio dos jardins pode levar a mudanças prejudiciais em muitos domínios importantes. A mudança aqui documentada indica mudanças nos padrões de culinária, um declínio possível nos níveis nutricionais e uma redução na diversidade das plantas locais e na estabilidade ambiental global. Apesar destas questões não serem avaliadas especificamente neste estudo, os dados apresentados revelam um número significativo de ameaças.

A expansão da jardinagem comercial masculina pode levar a uma diminuição na disponibilidade das plantas locais para a dieta. Os homens colocaram as mulheres e as suas culturas fora dos nichos de jardins. No processo, muitas plantas de jardim mantidas por homens, e associadas com os consumidores urbanos, substituíram as plantas locais ligadas às mulheres e à culinária ligada aos molhos, nos jardins de Niamakoroni. Os jardineiros comerciais actuais não estão interessados em manter as culturas dos produtos locais, associadas às mulheres e à elaboração de molhos, a não ser que haja uma procura urbana desses mesmos produtos, como é o caso da beringela amarga. De facto, a maioria dos homens considera as plantas das mulheres (especialmente as culturas das folhas tradicionais e plantas silvestres de ingredientes para molhos) como ervas a serem removidas a favor das culturas de rendimento, como é o caso do tomate e da banana. Actualmente, os jardins comerciais bem tratados, raramente contêm, vegetais e plantas silvestres ou semi-domesticadas tradicionais.

Resumindo, não tendo acesso à jardinagem tradicional e às áreas para a colheita de plantas, as mulheres tinham menos opções relacionadas com a preparação dos seus molhos. Apesar de ainda não ter sido documentado, pode estar a caminho uma mudança nos padrões de culinária locais. Ironicamente, através do cultivo e venda das culturas dos jardins, os jardineiros podem estar a contribuir para um declínio no valor nutricional das suas próprias refeições. Sem acesso a nichos apropriados para jardinagem, as mulheres não têm a oportunidade de manter os recursos de plantas tradicionais in situ. Apesar de algumas das suas plantas tradicionais poderem ser adequadas para o cultivo nas terras altas durante a época das chuvas, muitas mais plantas silvestres ou semi-domesticadas estão adaptadas às áreas baixas dos riachos. Consequentemente, esta situação apresenta um desafio para a manutenção de plantas viáveis adaptadas localmente e, a prazo, para a continuidade do conhecimento local destas espécies ensaiadas e verdadeiras. Resumindo, sem gestão contínua, é possível que estas espécies fiquem erudidas localmente.

A ameaça à biodiversidade das plantas locais não está limitada às áreas dos jardins. Existem muitos efeitos ambientais secundários importantes relacionados com o desenvolvimento da jardinagem comercial dos homens em Niamakoroni. Sem o acesso às terras baixas para a produção de molhos ou outras alternativas para a geração de rendimento, as mulheres estão a direccionar as suas atenções na exploração de outros recursos baseados em plantas silvestres locais para a alimentação, assim como para a geração de rendimentos para ajudar a cumprir as suas obrigações domésticas de culinária. (Wooten 1997). Especificamente, elas estão a expandir a sua produção comercial de carvão, manteiga de noz de shea e escovas de dentes feitas das plantas. Em entrevistas, muitas mulheres afirmaram utilizar os proventos destas actividades para obterem ingredientes para a confecção de molhos para as refeições das suas famílias. Todas estas actividades estão dependentes do uso dos recursos das plantas silvestres nativas. O uso expandido destes recursos pelas mulheres, revela o que pode ser um ciclo vicioso. Sem o acesso a espaços para jardins, as mulheres podem explorar em excesso os recursos dos arbustos a fim de adquirirem rendimentos que possam utilizar para obterem ingredientes, para molhos que elas já não podem produzir localmente.


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