FAO no Brasil

Graziano da Silva lança livro "Do Fome Zero ao Zero Hunger: uma perspectiva global" em Brasília.

01/10/2019

Professor e ex Diretor-Geral da FAO, José Graziano da Silva, lança hoje em Brasília, o livro "Do Fome Zero ao Zero Hunger: Uma perspectiva global". A publicação da FAO, coordenada por Graziano da Silva, contou com textos assinados por 24 autores envolvidos de diferentes formas no trabalho do professor durante a implementação do programa Fome Zero no Brasil, ou posteriormente, durante os reflexos que o programa teve ao redor do globo.

Por meio de seu trabalho na FAO como Diretor-Geral, de 2011 a 2019, Graziano da Silva inspirou o mundo com a estratégia Fome Zero brasileira, e apoiou países na formulação, execução, monitoramento e avaliação de políticas, programas, estratégias e iniciativas que contribuiram para a segurança alimentar de milhares de pessoas nos últimos 8 anos.

O lançamento do livro acontecerá às 16h, no auditório da Faculdade de Agronomia e Medicina Veterinária (FAV) da Universidade de Brasília (UnB). O evento é aberto para o público e conta com o apoio da FAV e da Faculdade UnB Planaltina (FUP). 

Para acessar o PDF do livro em Português, clique aqui.

 

Por José Graziano da Silva

Por milênios, as vidas das pessoas, comunidades e civilizações foram marcadas por uma ameaça permanente. Esta ameaça é a fome, um flagelo que levou milhões de pessoas à fraqueza, ao desespero e, nos casos mais extremos, à morte. A fuga da fome tem sido um dos principais fios condutores da história, provocando ondas migratórias, guerras, conflitos e enormes sacrifícios. Mas a fuga da fome também propiciou que alianças inesperadas se formassem, aprimorando a criatividade consolidando a solidariedade e a amizade entre as comunidades.

Como resultado dessa criatividade, dessa solidariedade e da tendência humana de criar todas as alternativas para sobrepor suas necessidades, a segunda metade do século 20 ganhou notoriedade pelo aumento expressivo na produção de alimentos. Esse aumento tem exigido recursos naturais em demasia - e ainda exige - já que era necessário acompanhar o crescimento populacional e, dessa forma, reduzir a fome endêmica que nunca deixou de estar presente em nossa história.

Hoje, produzimos alimentos mais do que suficientes para toda a população global, enquanto também desperdiçamos cerca de um terço do que produzimos a cada ano. Se, ao final da segunda década do século 21, mais de 820 milhões de pessoas continuarem presas ao círculo vicioso da fome, o motivo terá sido a falta de compromisso político para eliminar suas principais causas.

No início do século, no ano 2000, mais de 11 em cada 100 brasileiros não tinham alimentos suficientes para comer. Assim como dezenas de outros países, milhões de pessoas no Brasil estavam presas a uma espiral interminável de fome, pobreza e de falta de oportunidades que se repetia geração após geração. Esta situação mudou quando em 2003 a estratégia Fome Zero elaborado pelo governo Lula, rompeu esse ciclo vicioso para convertê-lo em um ciclo virtuoso, segundo o qual a produção de alimentos, a política macroeconômica do país e os programas e sistemas de proteção social trabalhariam de maneira coordenada e colaborativa.

Desde então, a estratégia Fome Zero é considerada um dos modelos de programas mais bem-sucedidos mundialmente no combate à fome e na redução da pobreza. O programa e suas principais características têm sido replicados e adaptados por países que buscam traçar caminhos similares.

Capitaneada pelo Brasil, a América Latina foi pioneira no enfrentamento do desafio da fome, tornando-se da região que mais rapidamente avançou nessa agenda desde o início do século 21. O sucesso do caso latino-americano é resultado do compromisso político em um contexto de estabilidade macroeconômica e política, que propiciou o aumento dos gastos em programas sociais voltados às camadas mais vulneráveis da sociedade.

Inspirado e impressionado pelos avanços no combate à fome, em 2012 o então Secretário Geral da ONU, Ban Ki-moon, fez um apelo aos líderes mundiais, aos representantes da sociedade civil e do setor privado durante a Conferência Rio+20 sobre Desenvolvimento Sustentável: conclamou que os países redobrassem seus esforços para livrar a fome da face da terra de uma vez por todas. Esse apelo tornou-se conhecido como o Desafio Fome Zero e recebeu uma rápida adesão de todo o sistema Nações Unidas.

Posteriormente, diversos projetos, sob a inspiração do Fome Zero, foram implementados na Ásia e no Pacífico, a partir de 2013. Chefes de Estado Africanos aderiram à iniciativa em 2014 com a adoção da Declaração de Malabo, que determinou o ano de 2025 como prazo-limite para a erradicação da fome no continente. Por último, a comunidade internacional assumiu a meta global do Fome Zero até 2030 com a inclusão do segundo dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS 2).

É nesse contexto que esta publicação aborda a dinâmica do Fome Zero como um exemplo de transformação de uma estratégia brasileira, em um projeto de desafio internacional, uma agenda global. Este livro procura reunir as recentes experiências internacionais que propuseram uma abordagem abrangente para lidar com as causas mais diversas da fome e da má nutrição.

Considerando o que número de pessoas com fome no mundo continua aumentando, particularmente em razão dos aumentos dos conflitos e dos efeitos das mudanças climáticas, torna-se imperativo colocarmos essas recentes inciativas em perspectiva, de maneira a renovar as linhas de ação, fortalecer a expertise dos atores envolvidos e, sobretudo, realçar o comprometimento político com essa agenda tão importante.

Essa publicação espera contribuir para essa agenda ao contar a história de como a experiência brasileira de combate à fome logrou ser disseminada por outros continentes e ao destacar os obstáculos que ainda nos impedem de decretar a fome zero global.