FAO no Brasil

A liderança da mulher do campo no fortalecimento da agricultura sustentável

11/10/2020

Na zona rural de São Paulo, no Distrito de Parelheiros, Lia Goes de Moura, de 47 anos, trabalha com a produção de alimentos orgânicos na Fazendinha Pedaço do Céu. Neta de produtores de cana-de-açúcar e melancias na região de Palmeiras dos Índios, em Alagoas, e uma das fundadoras da Cooperativa Agroecológica dos Produtores rurais e de Água Limpa da Região sul de São Paulo (COOPERAPAS), ela trabalha em busca do fortalecimento da agricultura local, preservação do meio ambiente, redução da perda e desperdício dos alimentos, e o desenvolvimento rural sustentável.

Há mais de 40 anos trabalhando no campo, ela lembra que desde pequena, quando se mudou com a família de Alagoas para São Paulo, o DNA de agricultor falou mais alto, fazendo com que tivessem que voltar para a área rural. “Morávamos em Cidade Ademar (distrito localizado na zona sul do município de São Paulo), mas onde morávamos já não havia espaço para plantar. Minha mãe também tinha uma criação enorme de patos e galinhas que não cabiam nos quintais, sem falar que (a casa) acabou virando um ponto comercial de produtos rurais”.

De volta para a área rural, Lia começou a atuar na busca de apoio do poder público e dos amigos para fortalecer os produtores da região. A falta de equipamentos rurais e mão de obra, fez com que ela quase desistisse de produzir. “A falta de escolas técnicas agrícolas faz o êxodo rural aumentar, e com isso vem a falta de mão de obra. Eu trouxe meus filhos para a roça, e hoje estamos encontrando na agricultura várias formar de tirar nossa renda e transformar o sítio em autossustentável.”

Com a vinda dos filhos para ajudar na produção agrícola, o objetivo do trabalho em família agora também é transformar o sítio em uma vitrine com o objetivo de trazer outros jovens agricultores que tenham interesse em trabalhar com a agricultura. “Queremos mostrar que é possível ter renda sem sair da região. Meu maior sonho é trazer mais jovens para a agricultura, pois assim teremos mais terras produzindo, e conseguiremos um desenvolvimento mais sustentável”, explica.

O trabalho com a produção orgânica

A Fazendinha Pedaço do Céu fica entre as áreas de preservação ambiental Capivari-monos e Bororé-colônia, na parte das bacias hidrográficas das represas Billings e Guarapiranga. A mata é densa em alguns lugares, mas segundo Lia, lhes dá um “tesouro gastronômico, que é a Fruta Cambuci, nativa da mata Atlântica que nos abraça”.

Hoje produzindo uma diversidade de alimentos, como hortaliças, citros, chás, pimentas, plantas alimentícias não convencionais (PANCs) –carro chefe do sítio–, entre os consumidores dos produtos estão restaurantes do centro de São Paulo, a exemplo do Arturito e La Guapa, da Chef Paola Carosella, e o município de São Paulo, com a compra para a merenda escolar. “É muito gratificante entregar produtos orgânicos certificados e saber que muitas crianças serão beneficiadas”, conta.

Na região, a agricultura familiar não usa muito as tecnologias rurais, uma vez que a agricultura orgânica não requer muitos maquinários e assim não há grandes efeitos na natureza. A produtora reforça: “quanto mais natural, melhor”, quando se refere às coberturas dos canteiros com restos de podas de gramas, e a redução do uso de irrigação para a economia de água.

Em 2016, a Fazendinha Pedaço do Céu conquistou o certificado orgânico, que atesta a qualidade da produção.  A meta agora é conquistar o selo de produtos biodinâmicos Demeter.

Redução do desperdício de alimentos

Outra questão importante para Lia, é a conscientização contra a perda e o desperdício de alimentos. “Saber que existem pessoas passando fome é um dos motivos que nos move a tentar solucionar o problema do desperdício”, explica Lia.

Segundo dados da FAO, quase 47 milhões de pessoas passaram fome em 2019 na América Latina e Caribe, enquanto 11,6% dos alimentos são perdidos todos os anos. Isso equivale a 220 milhões de toneladas de alimentos, com uma perda econômica estimada em 150 bilhões de dólares. Estima-se que ainda haja um aumento no número de pessoas em situação de fome em decorrência da pandemia de Covid-19.

Além da preocupação com a fome, outra preocupação quando se fala em desperdício de alimentos é a degradação de todo um ecossistema. “Um exemplo de como podemos reduzir esse problema, é calcular desde a semente até a finalização do produto, pensar no solo, na água, no ar, nas pessoas, pensar na natureza como todo  e saber que tudo tem um custo, e existem prejuízos a natureza que são irreparáveis”, completa.

Turismo local

Segundo Lia, a agricultura orgânica na região de Parelheiros abriu as portas para o turismo rural, contribuindo para que o agricultor também tivesse renda recebendo o público. “A gente recebe quem ama comer uma comidinha da roça, conhecer e vivenciar um pouco do meio rural. O turismo vem agregando muito à nossa renda”.

O turismo também é uma forma de conscientizar a população sobre a importância da alimentação saudável, preservação ambiental e ao combate ao desperdício de alimentos. Além da visita, quem faz turismo na região também assiste palestras e oficinas. “Vocês são nossos convidados!!!”, finaliza.

15 dias de iniciativas inspiradoras

A história de Lia Goes, produtora de alimentos orgânicos na Fazendinha Pedaço do Céu, faz parte da ação “15 dias de iniciativas transformadoras”, parte da campanha #MulheresRurais, mulheres com direitos.

Durante os próximos dias, outras organizações parceiras da campanha irão compartilhar histórias de mulheres rurais promotoras da alimentação saudável, guardiãs da terra, líderes e empreendedoras, com base em três eixos principais: direitos e autonomia econômica; papel produtivo em sistemas agroalimentares; redução de lacunas e uma vida livre de violência. No dia 15 de outubro, encerra-se a ação com a celebração do Dia Internacional das Mulheres Rurais.