Globally Important Agricultural Heritage Systems (GIAHS)

Sistema Agrícola Tradicional na Serra do Espinhaço Meridional, Brasil

SIPAM desde 2020

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Relevância Global 

O Sistema Agrícola Tradicional na Serra do Espinhaço Meridional em Minas Gerais realiza um importante papel para o abastecimento de água e a conservação da vegetação nativa do bioma Cerrado, um dos hotspots mundiais de biodiversidade. O Cerrado, considerado a savana com a maior biodiversidade do mundo, desempenha importante papel para o equilíbrio hidrológico do Brasil.

Os agricultores familiares e os povos e comunidades tradicionais (Apanhadores (as) de Flores Sempre-vivas) da Serra do Espinhaço Meridional contribuem para a conservação da valiosa flora e da paisagem da região. Por meio da convivência harmônica com o meio ambiente, essas comunidades desenvolveram, ao longo de várias gerações, formas de conhecimentos e práticas singulares para a manutenção e o uso sustentável de seus recursos naturais e genéticos. São, portanto, as guardiãs de um precioso mosaico de ecossistemas.

Segurança alimentar e dos meios de subsistência

A agricultura praticada pelas comunidades é caracterizada pela presença de quintais agroflorestais, onde é possível encontrar uma alta diversidade de espécies; acompanhado pelo cultivo de roças e a criação de animais de grande porte em áreas mais extensas, que contribuem para o suprimento alimentar e a garantia dos meios de subsistências das famílias ao longo das estações. Além disso, os agricultores coletam uma grande variedade de produtos florestais madeireiros e não madeireiros ao longo das áreas de Cerrado, incluindo plantas medicinais, frutos nativos, fibras e as flores sempre-vivas endêmicas dos campos da Serra do Espinhaço.

Agrobiodiversidade

Aproximadamente 90 espécies agrícolas alimentares são cultivadas nesse sistema, incluindo vegetais, árvores frutíferas, tubérculos, entre outras. A manutenção e o enriquecimento da agrobiodiversidade é assegurada pela transmissão intergeracional de materiais genéticos, que dependem do cultivo, seleção e trocas constantes entre famílias e comunidades.

Essa dinâmica sociocultural envolve a troca de materiais entre as três maiores paisagens de cerrado da Serra do Espinhaço. Durante as longas travessias, os membros da comunidade transportam espécies de interesse para além dos seus limites de distribuição natural, e selecionam e enriquecem os campos nativos com sementes armazenadas na coleta.

A existência e a manutenção da agrobiodiversidade estão, portanto, intrinsicamente relacionadas às atividades humanas. Considerando a flora nativa, são manejadas 35 espécies de frutos nativos comestíveis; 83 espécies de plantas medicinais; e 240 espécies ornamentais. O acesso e uso sustentável da flora nativa são controlados pelo uso habitual de cada comunidade, cujo manejo é baseado nos conhecimentos tradicionais acerca dos ciclos naturais das espécies e da intensidade de coleta capaz de garantir a renovação das populações naturais.

Sistemas de conhecimento local e tradicional 

As comunidades detêm uma ampla variedade de conhecimentos tradicionais, que possibilitam o manejo dos recursos naturais e a realização de atividades agrícolas em diferentes escalas de altitude e de condições ambientais. As atividades praticadas incluem, por exemplo, a coleta de flores sempre-vivas; a criação de gado nas áreas de uso comum – os campos de altitude com até 1400 metros; a coleta de frutos, flores, sementes e de plantas medicinais nas áreas mais baixas; e a produção agrícola nos quintais agroflorestais e nos campos de cultivo em áreas mais extensas, localizados próximas às cotas mais baixas, aproximadamente 600m de altitude, tradicionalmente conhecidas como “sertão”.

A coleta de flores sempre-vivas requer técnicas específicas em cada uma de suas etapas, desde o manejo dos campos nativos, a coleta manual, o processamento e a conservação das flores. A transumância do gado para os campos nativos de uso comum é uma necessidade, bem como uma prática cultural, que permite a utilização de todo o potencial dos ecossistemas.

As atividades agrícolas ocorrem nos quintais produtivos e nas roças (áreas cultivadas/campos de cultivo). Os quintais são sistemas agroflorestais com uma grande diversidade de espécies vegetais, enquanto as roças são áreas mais extensas, destinada a produção agrícola itinerante (a época de plantio ocorre na estação chuvosa, entre os meses novembro e março), com destaque para o cultivo de mandioca, feijão, milho e arroz.

O tráfego de pessoas e animais entre as serras e os sertões ocorre sazonalmente, seguindo as práticas tradicionais e os costumes locais. Todas essas práticas são essenciais para o fluxo gênico e de sementes, para a riqueza de espécies nativas e para a manutenção dos ecossistemas e da paisagem.

Cultura, sistemas de valores e organização social

Em relação aos apanhadores de flores sempre-vivas, a coleta de flores é o elemento central de identidade cultural, e que reúne as comunidades em diferentes locais.  A transumância, a biodiversidade e a coleta de flores sempre-vivas se unem para constituir o bem comum e o sentido de pertencimento dessas comunidades. 

Nessa perspectiva, as manifestações culturais são marcadas pelas variações sazonais e pelo calendário agrícola vivenciado pelas sucessivas gerações. Em outras palavras, o “sagrado” é cultuado nos rituais religiosos e tem influência direta na produção agrícola e, portanto, na colheita. A devoção e as festas de santo também são ritos propiciadores ligados à boa chuva e à boa colheita.

As referências de usos recursos naturais comuns se dão pelos direitos consuetudinários, com reguladores de acesso e usos que são conhecidos e reafirmados pelas comunidades.  Dessa forma, a propriedade da terra é controlada pelas famílias das seis comunidades envolvidas, por meio do constante monitoramento e do controle sobre as terras ancestrais. As comunidades são organizadas em associações comunitárias, e representadas pela Comissão em Defesa dos Direitos das Comunidades Extrativistas - CODECEX, para proteger os interesses e direitos coletivos.

Características da paisagem

Um mosaico de diferentes ecossistemas interconectados forma a paisagem do local. Nos locais de maior altitude, acima de 1000 m, a paisagem é composta de ricos campos nativos, onde são coletadas as flores sempre-vivas e rebanhos de animais pastam em áreas de uso comum. Nas “encostas”, entre 700 a 1000 m de altitude, os cerrados (savana brasileira) constituem a paisagem natural, onde uma variedade de produtos comestíveis e não comestíveis são coletados. Finalmente, nas cotas mais baixas, conhecidas como “sertão”, podem ser observados os quintais agroflorestais, campos de cultivo e a criação de animais de pequeno porte.